A Vida dos Livros

A VIDA DOS LIVROS

«O Republicanismo em Portugal – Da Formação ao 5 de Outubro de 1910» de Fernando Catroga (Casa das Letras, 2ª ed. 2010) retrata o percurso português da ideia republicana. Como afirma o autor: «Desde a significação clássica de res publica compatível com vários regimes políticos até à exclusiva denotação de um regime contrário à Monarquia, são múltiplas as acepções do termo. Por outro lado, basta uma rápida incursão pela literatura política dos séculos XIX e XX para verificar que, por exemplo, a ideia de República em Antero de Quental é diferente da de um Teófilo, a dos federalistas demarca-se da dos unitaristas, assim como a da “Renascença Portuguesa” difere do ideal republicano da “Seara Nova” ou do republicanismo do Partido Democrático». Assim, é interessante verificar como o oitocentismo prenuncia o que acontecerá no século XX e como hoje a ideia persiste.

A VIDA DOS LIVROS 
de 8 a 14 de Agosto de 2011


«O Republicanismo em Portugal – Da Formação ao 5 de Outubro de 1910» de Fernando Catroga (Casa das Letras, 2ª ed. 2010) retrata o percurso português da ideia republicana. Como afirma o autor: «Desde a significação clássica de res publica compatível com vários regimes políticos até à exclusiva denotação de um regime contrário à Monarquia, são múltiplas as acepções do termo. Por outro lado, basta uma rápida incursão pela literatura política dos séculos XIX e XX para verificar que, por exemplo, a ideia de República em Antero de Quental é diferente da de um Teófilo, a dos federalistas demarca-se da dos unitaristas, assim como a da “Renascença Portuguesa” difere do ideal republicano da “Seara Nova” ou do republicanismo do Partido Democrático». Assim, é interessante verificar como o oitocentismo prenuncia o que acontecerá no século XX e como hoje a ideia persiste.



Porto, 31 de Janeiro de 1891.


DECADÊNCIA VERSUS REGENERAÇÃO
A história dos dois últimos séculos em Portugal foi dominada pela alternância entre o sentimento de decadência e a força dos desígnios regeneradores. Se a Revolução de 1820, a Regeneração ou a República corresponderam à ideia de recomeço ou de reforma, o Ultimatum inglês, a crise financeira de 1892 ou o Regicídio significaram sinais de decadência e de humilhação. «Se descermos ao ideário dos pensadores sociais, encontramos o mesmo binómio a ritmar os ciclos do passado e a projectar a tendência futura da humanidade e de Portugal (Herculano, Teófilo, Antero, Oliveira Martins)». A geração de 70 pôs, assim, a tónica nas causas da decadência dos povos peninsulares desde o século XVI, num diagnóstico em que, ao longo do tempo, prevalece a lógica de um «organismo espiritualista de fundo hegeliano», ao lado de um entendimento influenciado por Gianbattista Vico, segundo o qual a História caminha segundo o ritmo de «corsi» e «ricorsi», como Michelet popularizou, devendo ainda adicionar-se a influência pessimista do «inconsciente» de Eduardo Hartmann. De facto, não podemos compreender o republicanismo português sem o ligarmos à história do século XIX. Desde 1820 ou do debate constituinte que conduziu à primeira Constituição (1822) até aos ecos da Primavera dos Povos (1848), passando pela guerra civil que terminou com Évora Monte (1834) e continuando na Revolução de Setembro (1836) e no clima de guerra civil entre 1842 e 1851, sentimos o peso do debate sobre a soberania popular e a sua aplicação. E este conduziu às origens da democracia grega e à República Romana, à consideração da importância da liberdade e da igualdade e ao debate sobre a criação das instituições adequadas à realização dos direitos dos cidadãos. Aos sinais de decadência diagnosticados no Casino Lisbonense por Antero, em Maio de 1871, haveria, no fundo, que contrapor as bases de uma regeneração cívica e política.

A SOMBRA DE HERCULANO
O Acto Adicional de 1852 representou a criação de uma síntese entre a legitimidade da Carta Constitucional (já de si um modo de demarcação moderada relativamente ao absolutismo do Antigo Regime) e a afirmação do poder constituinte do povo, assumida na Constituição de 1838. Alexandre Herculano merece aqui referência especial a diversos títulos – ora como inspirador e animador do golpe de Estado da Regeneração (1851), ora como defensor do espírito da Constituição de 1838, sem esquecer a importância que a Carta Constitucional de D. Pedro tivera na vitória liberal, ora como crítico de uma Regeneração unívoca, como defensor de uma solução plural em que o novo poder pudesse contar com uma oposição, para que a estabilidade se baseasse na crítica e na alternância. Se virmos vem, Herculano aparece, assim, como referência paradigmática, aliando o sentido crítico à formulação de saídas para os males do país. A Regeneração de 1851 não pode ser compreendida, pois, sem as repercussões da Patuleia e de 1848. Lembremo-nos da revolta das hidras e dos primeiros clubes radicais (de Oliveira Marreca, José Estevão e Rodrigues Sampaio) ou da obra fundamental de José Félix Henriques Nogueira «Estudos sobre a Reforma em Portugal» – percebendo aí um movimento doutrinal que faz luz sobre as mais avançadas tendências do liberalismo oitocentista, ligando, liberdade, coesão social e progresso económico. E essa referência permite-nos afirmar que o republicanismo não pode ser entendido fora de uma tensão profícua entre continuidade e ruptura. É de algum modo republicanizante a Regeneração de 1820 pela ausência do Rei e da corte no Brasil; é republicanizante a Revolução de Setembro em nome da soberania do povo; é republicanizante a reacção anti-cabralista (animada pelo insuspeito Herculano, monárquico liberal) por influência do ambiente europeu da «primavera dos povos»; são ainda republicanizantes, no contributo de alguns, a Regeneração de 1851 e o Acto adicional do ano seguinte, naquilo em que procuram estabilizar a solução liberal e o constitucionalismo. E se dúvidas houvesse, bastaria vermos que nos anos sessenta a Questão Coimbrã e em 1871 as Conferência Democráticas são explicitamente republicanas – mesmo que José Fontana e Antero pusessem a tónica na República Social, em que a justiça se torna mais importante do que a questão do regime.

A AMBIGUIDADE REGENERADORA
A Regeneração («nome português do capitalismo», na fórmula de Oliveira Martins) nasce, contudo, ambígua – entre os radicais de 1848, os patuleias, os cabralistas arrependidos, os cartistas resignados, os simonianos idealistas (defensores de um socialismo de engenheiros ou de um capitalismo dos melhoramentos materiais do engenheiro Fontes). Se é certo que houve vários sobressaltos (a Janeirinha de 1868, a Saldanhada de 1870, o reformismo de Braancamp), a verdade é que a sementeira de libras, o recurso ao crédito público, os melhoramentos (o caminho de ferro, as estradas, o telégrafo), o alargamento do sufrágio eleitoral, o caciquismo bipolar (do carneiro com batatas, bem retratado por Júlio Dinis) funcionaram melhor ou pior até aos anos oitenta. A liberdade de imprensa, o pluralimo político, as liberdades públicas permitiram o exercício da crítica (o fecho das Conferências do Casino foi excepcional) – daí a crescente influência do Partido Republicano nas cidades, que, sem ter o exclusivo do republicanismo, se torna o seu polo mais relevante. A influência francesa torna-se evidente, sobretudo depois de 1871, e a implantação da República espanhola (1873) também ajuda. O republicanismo envolve três grupos: o democrata, o moderado (vindo de 48) e o federalista. Começam então os esforços reais para dar consistência a um partido capaz de pôr em causa a monarquia liberal. Se os anos setenta são apontados como os da génese do Partido Republicano, pode dizer-se que apenas depois de 1880 foi possível passar de um período incipiente, de alguns centros urbanos, para uma rede nacional com uma direcção coordenada. As comemorações do centenário de Camões foram uma oportunidade para impulsionar decisivamente a influência do Partido Republicano, em torno de figuras como Oliveira Marreca, Teófilo Braga, Bernardino Pinheiro, Latino Coelho e Manuel de Arriaga. A eleição em 1878 do primeiro deputado republicano para a Câmara dos Deputados, Rodrigues de Freitas, no Porto, foi um facto importante, devendo-se, contudo à sua própria popularidade, já anteriormente testada no sucesso dos reformistas (1870 e 71). O Ultimatum e o 31 de Janeiro de 1891 no Porto – na sequência da proclamação da República brasileira em 1889 – vão constituir momentos decisivos para o crescimento do PRP nas grandes cidades. A esses dois acontecimentos adiciona-se a crise financeira e a necessidade de uma longa negociação com os credores externos (que culminaria no Convénio de 1902), bem como a política de João Franco e o excessivo envolvimento do Rei D. Carlos na gestão do dia-a-dia. O republicanismo do PRP congrega os descontentes. Há uma forte corrente legalista que pretende a chegada ao poder de forma pacífica, e de preferência por via eleitoral. O regicídio precipita os acontecimentos e só a fragilidade da instituição monárquica impede-a de aproveitar o excesso radical. Em Outubro de 1910, inicia-se uma outra história que a Grande Guerra perturbará decisivamente…


Guilherme d’Oliveira Martins

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