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UMA PEÇA DO MUSEU NACIONAL DE ARTE ANTIGA POR SEMANA

O Centro Nacional de Cultura e o MNAA divulgam aqui algumas das peças mais significativas deste museu.

Uma Peça do Museu Nacional de Arte Antiga
Semana de 30 de Dezembro de 2008 a 6 de Janeiro de 2009


O Centro Nacional de Cultura (CNC) e o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) levam a efeito, desde 2006, uma iniciativa comum de divulgação das peças mais significativas do primeiro Museu português. Deste modo, queremos promover o melhor conhecimento do nosso património cultural, incentivando a visita aos nossos Museus, e em especial ao Museu Nacional de Arte Antiga.


Além da divulgação no portal www.e-cultura.pt e no sítio www.cnc.pt, promoveremos ao longo do ano outras iniciativas que serão divulgadas nos nossos programas trimestrais. A memória cultural constitui um factor fundamental para a melhor compreensão da nossa identidade, vista como realidade aberta, na encruzilhada entre a herança e a criação, entre a tradição e a inovação.


Agradecemos à Direcção do MNAA e à sua equipa a oportunidade que nos dá de melhor conhecermos um acervo tão rico e fundamental para a compreensão do que somos como povo e como cultura.




Conversação
Pieter de Hooch (assinado)
c. 1663-1665
Óleo sobre tela
64 x 74,5 cm
Proveniência: Palácio Nacional da Ajuda, Lisboa, 1920
Inv. 1620 Pint



Pieter de Hooch foi um dos pioneiros do naturalismo holandês e destacado expoente da chamada Escola de Pintura de Delft. As razões pelas quais é mais apreciado centram-se no expressivo tratamento do espaço, no domínio magistral da perspectiva e na luz subtil das suas obras. A pintura do Museu de Lisboa, uma «Agradável companhia» num interior ricamente adereçado, é um excelente exemplo do estilo de maturidade do artista revelado durante os seus primeiros anos em Amesterdão. Neste período, os cenários e o mobiliário dos seus interiores em pintura tornaram-se mais sumptuosos, as figuras mais bem vestidas e os temas mais refinados. A tela de Lisboa é uma das três cenas de interior, de composição horizontal, com o tema «Agradável companhia» (vejam-se também as pinturas da Colecção Lehman, no Metropolitan Museum of Art em Nova Iorque, e a do Germanisches Nationalmuseum, em Nuremberga), apresentando guadamecis revestindo as paredes e outro mobiliário luxuoso, tal como o chão e a lareira em mármore e o tapete oriental (Oshak, Medalhão) aqui representados. Estas três telas podem ser datadas de c.1663 ou pouco depois, com base na sua semelhança estilística com duas pinturas datadas desse ano e pertencentes ao Cleveland Museum of Art e ao Rijksmuseum de Amesterdão. Do mesmo modo que o grau de elegância deste grupo de pinturas é um dado novo e parece reflectir a prosperidade de Amesterdão, ao tempo a cidade mais rica do Norte da Europa, a importância conferida à geometria do espaço e às gradações habilmente sugeridas da iluminação natural (note-se a cuidada observação da luz filtrada pelas janelas, à esquerda, e o iluminado vão da porta aberta, à direita) definem-se como características fundamentais da arte de Hooch a partir das suas pinturas do período de Delft, c. 1658. As suas composições com vista a espaços contíguos  ou de exteriores (o que se designa, em holandês, doorkijkje) são como que uma assinatura  do pintor.


Trata-se de um tema caro à pintura holandesa. Aqui, vêem-se dois jovens casais à mesa, acompanhados  por um violinista, enquanto chega um cavalheiro de chapéu na mão, pela porta da direita. Um dos homens  levanta-se para puxar a corda de uma sineta, provavelmente  para chamar um criado. Mais explicitamente do que na maioria das «composições» de Pieter de Hooch com o mesmo tema, os casais trocam carícias – o homem que ri, na outra extremidade da mesa, coloca a mão no peito da sua companheira sorridente, enquanto ela sugestivamente introduz uma faca no seu copo de vinho. Muito se escreveu  sobre os possíveis significados da pintura. Alguns admitem que as figuras à volta da musa personificam e aludem ao conceito dos Cinco Sentidos. Outros crêem que a proeminente representação do Rapto de Ganimedes, sobre o fogão da sala, funciona simbolicamente; de facto, os pintores de género holandeses recorrem, por vezes, à inclusão de pintura dentro da pintura como espécie de comentário ao próprio tema principal da representação. Filho de um rei troiano, o jovem e belo Ganimedes foi raptado por Zeus metamorfoseado em águia, como oferenda para os Deuses. Alguns comentadores do século XVII salientaram as alusões (homo) eróticas desta história, outros consideraram Ganimedes como um símbolo de Aquário, enquanto que os neoplatónicos  interpretaram a narrativa como acto de elevação da pura alma humana até Deus, e daí a existência, na pintura holandesa, de retratos de crianças já falecidas enquanto Ganimedes. Karel van Mander, no seu importante comentário às Metamorfoses de Ovídio (Wileggingh op den Metamorphosis Pub. Ovidij Nasonis em Het Schildrbock (1603-1604, p.87) escreveu: «Ganimedes é tido como Alma Humana, aquele que está menos manchado pelas impurezas corporais  dos desejos perversos. Foi escolhido por Deus e levado até Ele». Com efeito, esta pintura dentro da pintura baseia-se numa gravura criada a partir de uma composição perdida de Karel van Mander III. Assim, é provável que este pormenor vise intensificar ou, pelo contrário, se oponha simbolicamente à alegria das figuras  em primeiro plano. Embora não tenhamos certezas acerca das intenções de Hook relativamente à sua inclusão, a imagem mitológica não é certamente um pormenor inocente ou seleccionado ao acaso; o cachorro spaniel, no canto inferior direito da pintura, que mais parece ladrar para o quadro por cima do fogão de sala que para o recém-chegado, assemelha-se aos frequentemente representados noutras imagens de Ganimedes, indiciando que Pieter de Hooch tomou em consideração tais representações do episódio. Desta forma, o artista insinua habilidosamente a história de Ganimedes na «verdadeira» zona pictórica  onde se inscrevem os foliões.

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