A Vida dos Livros

UM LIVRO POR SEMANA

“Corte na Aldeia” (1619) de Francisco Rodrigues Lobo é uma obra na qual se retrata a situação vivida em Portugal durante a união pessoal com a Espanha (em ebook *). De um modo subtil mas nítido, o autor faz sentir aos leitores do seu tempo a subalternidade a que os portugueses de facto estavam votados em virtude de a independência ser, cada vez mais, apenas formal. Rodrigues Lobo era natural de Leiria, onde nasceu em data incerta, à volta de 1580, devendo ter tido ascendência judaica.

UM LIVRO POR SEMANA
De 7 a 13 de Maio de 2007



Corte na Aldeia” (1619) de Francisco Rodrigues Lobo é uma obra na qual se retrata a situação vivida em Portugal durante a união pessoal com a Espanha (em ebook *). De um modo subtil mas nítido, o autor faz sentir aos leitores do seu tempo a subalternidade a que os portugueses de facto estavam votados em virtude de a independência ser, cada vez mais, apenas formal. Rodrigues Lobo era natural de Leiria, onde nasceu em data incerta, à volta de 1580, devendo ter tido ascendência judaica. Cursou na Universidade de Coimbra, onde se formou em Leis em 1602 e viveu na região donde era natural. Não escondeu, desde cedo, as suas simpatias pelas pretensões dinásticas dos duques de Bragança e pela necessidade de autonomização relativamente à Casa de Áustria, tendo sido protegido por D. Teodósio. Aliás, foi ao irmão deste, D. Duarte, que Rodrigues Lobo enviou a carta dedicatória que antecede a “Corte na Aldeia”. O escritor relacionou-se ainda com a família dos marqueses de Vila Real, bem como com intelectuais prestigiosos, como Frei Bernardo de Brito, o historiador de “Monarquia Lusitana”, e Fernão Alvares do Oriente, o autor de “Lusitânia Transformada”. Escreveu “Romances” (1596) e a trilogia “A Primavera” (1601), “O Pastor Peregrino” (1608) e “O Desenganado” (1614). Como dirá Agostinho da Silva: “se bem que preso ao campo pelo realismo e os vivos traços das descrições, o mundo das novelas de Lobo é quase fantástico, não só pelo maravilhoso que de quando em quando se mistura à acção, como sobretudo pelo verdadeiro delírio amoroso em que vive a maior parte das suas personagens”. Nas “Éclogas” (1605) apresenta um tom moralista, seguindo os passos de Sá de Miranda, revelando em alguns poemas significativos talento e sensiblilidade. Francisco Rodrigues Lobo teria, porém, um fim trágico, cerca de 1623, no rio Tejo, na sequência de um naufrágio que sofreu com o conde de Assentar, tendo o seu corpo dado à costa, sendo sepultado no convento de S. Francisco da Cidade, que viria a ser destruído em 1755. “Corte na Aldeia” é um livro constituído por diversos diálogos, com objectivo educativo e de edificação. Pretende contribuir para a formação de um fidalgo do seu tempo. E nota-se o culto de uma cortesia especial e rigorosa, aliada a uma irónica observação das pessoas e dos acontecimentos, num estilo que tem sido elogiado por críticos e historiadores. “Elegância do dizer”, “vernaculidade dos termos”, “facilidade da construção”, eis as características que encontramos no seu prosear, que o singulariza e o põe ao lado dos melhores. O mesmo se diga dos seus poemas mais inspirados, onde a simplicidade, a clareza e a brandura se aliam. À dureza da palavra de Vieira e de Francisco Manuel contrapõe-se a leveza de Lobo, que deve ler-se como um homem do seu tempo, que suavemente vai exprimindo o seu inconformismo nos diálogos laboriosamente construídos entre o idealismo e o suave descontentamento do mundo. Os diálogos têm lugar, perto da cidade principal da Lusitânia, em “uma graciosa aldeia”. “Ali, ora em conversação aprazível, ora em moderado e quieto jogo, se passava o tempo, se gozavam as noites, se sentiam menos as importunas chuvas e ventos de Novembro e se amparavam contra os frios rigorosos de Janeiro”. Quem fala? O senhor da casa, Leonardo, que era letrado, com “honrados cargos do governo da justiça”, o doutor Lívio, “lido nas histórias da humanidade”, o fidalgo D. Júlio, “inclinado ao exercício da caça e muito afeiçoado às coisas da pátria em cujas histórias estava bem visto”, o estudante Píndaro, “de bom engenho que, entre os seus estudos, se empregava algumas vezes nos da poesia” e o velho Solino, “que tinha servido a um dos grandes da corte com cujo galardão se reparara”. Os dezasseis diálogos sucedem-se, sobre a temática geral da obra, sobre a disciplina e sobre o estilo, sobre as maneiras de escrever, sobre os recados, as embaixadas e as visitas, sobre os encarecimentos, sobre a diferença entre o amor e a cobiça, sobre os poderes do ouro e do interesse, sobre os movimentos e o decoro, sobre a prática e disposição das palavras, sobre a maneira de contar histórias na conversação, sobre os contos e ditos graciosos e agudos, sobre as cortesias, sobre o fruto da liberdade e da cortesia, sobre a criação da corte e da milícia e, no final, sobre a criação das escolas. Ao tratar de tão vasto leque de temas, em diálogos bastante ricos e interessantes, o autor aliava a reflexão sobre a preparação de uma futura elite à criação de um ambiente favorável a que os portugueses deixassem de se limitar a ter uma “corte de aldeia”. E, como diz Lobo: “os reis, é coisa muito antiga e certa terem privados, para o remédio de muitos e conservação e alívio da pessoa real, quando eles são varões de valor, justiça e bondade como para este ofício se requerem, que doutro modo seria cair peçonha na fonte de que bebe todo o povo, como escreveu o nosso bom português Francisco Sá de Miranda”. É, aliás, ainda Francisco Rodrigues Lobo, pela boca de D. Júlio, quem afirma: “os portugueses são homens de ruim língua e que também o mostram em dizerem mal da sua que, assim na suavidade da pronunciação como na gravidade e composição das palavras, é língua excelente. Mas há néscios que não basta que a falem mal senão que se querem mostrar discretos, dizendo mal dela; e o que me vinga de sua ignorância é que eles acreditam a sua opinião e os que falam bem desacreditam a ela e a eles”. É sempre bom reler os clássicos…
* http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/ebooks/corte_na_aldeia.pdf
                                                Guilherme d’Oliveira Martins

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