A Vida dos Livros

UM LIVRO POR SEMANA

Acaba de ser publicada uma nova edição de “A Cristandade ou a Europa” (e de uma selecção de fragmentos) de Novalis (1772-1801), com tradução de José Miranda Justo (Antígona). O texto, escrito em 1799, foi sempre muito controverso, a ponto de ter suscitado dúvidas e perplexidades entre alguns dos amigos do poeta, como os irmãos Schlegel e Schelling que preferiram não o inserir na revista Athenäum.

UM LIVRO POR SEMANA
De 11 a 17 de Setembro de 2006


Acaba de ser publicada uma nova edição de “A Cristandade ou a Europa” (e de uma selecção de fragmentos) de Novalis (1772-1801), com tradução de José Miranda Justo (Antígona). O texto, escrito em 1799, foi sempre muito controverso, a ponto de ter suscitado dúvidas e perplexidades entre alguns dos amigos do poeta, como os irmãos Schlegel e Schelling que preferiram não o inserir na revista Athenäum. O próprio Goethe recusou a hipótese de publicação. A reflexão era perigosa e ambígua, sobretudo para olhos liberais. A defesa inesperada feita por Novalis da contra-Reforma e dos seus aspectos mais controversos, numa sociedade fortemente marcada pela herança de Lutero, causou resistências, essencialmente de índole política, já que uma leitura imediata parecia conduzir à defesa do restauracionismo da “ordem velha”. “Tempo houve, belo e glorioso, em que a Europa era uma pátria cristã e em que uma só Cristandade habitava a humanizada harmonia deste continente”. Assim começa o ensaio de Novalis, para quem a História do ocidente registaria três momentos distintos: edificação e auge da ideia cristã da cultura, declínio e queda pela laicização e pelo cisma religioso, e necessidade de renovada incarnação do ideal cristão, unitário e místico. Trata-se de um apelo à unidade perdida do saber e da crença, segundo o programa romântico, contra o artificialismo, a incultura e a carência de espiritualidade. E aqui surge uma concepção profética da História, não uma defesa do regresso ao “antigo regime”. Afinal, não é um texto político (correspondente a de Maistre ou Bonald), mas de uma argumentação, porventura anacrónica, para dizer que não há um caminho linear para o progresso e que a razão e a crítica, por si sós, não conduzem à emancipação. “Um estado de anarquia religiosa não pode ser senão transitório, já que a necessidade fundamental de haver um certo número de homens dedicados por inteiro à elevada vocação do ministério e mantidos independentes do poder secular no que respeita aos assuntos religiosos é permanente, tanto na sua eficácia como na sua validade intrínseca”… À distância do tempo, depois da emergência das experiências de barbárie supostamente assentes na razão, Novalis aparece profeticamente não a defender um regresso, mas a defender um tempo em que “não haverá ninguém que queira protestar contra opressões cristãs ou seculares, pois a essência da Igreja será a verdadeira liberdade…” E apela para reformas dos Estados no sentido da paz e do respeito da lei. Igreja é menos instituição e mais corpo místico, menos pólo político e mais pólo profético. Sentem-se os mesmos ecos dos místicos russos, designadamente Berdiaev. Como salienta Miranda Justo, para Novalis a História rectilínea é o “louco intento de modelar (…) a humanidade”. Não defende a linearidade nem a literalidade. Mas a poesia e a estética levam à união de “eros” e “thanatos” e o poeta exige coerência entre o espírito e o mundo…

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