A Vida dos Livros

UM LIVRO POR SEMANA

No último fim-de-semana o CNC andou na peugada de Passos Manuel, com as “Viagens na Minha Terra” de Almeida Garrett (1ª edição, 1846) nas mãos. São quarenta e nove capítulos de um folhetim romântico, cuja originalidade está na linguagem comum que usa e na ligação entre o relato de uma viagem e a narrativa de uma história trágica sobre a guerra civil que dividiu o país de 1828 a 1834, e de que o autor também foi protagonista.

UM LIVRO POR SEMANA
De 26 de Junho a 2 de Julho de 2006


No último fim-de-semana o CNC andou na peugada de Passos Manuel, com as “Viagens na Minha Terra” de Almeida Garrett (1ª edição, 1846) nas mãos. São quarenta e nove capítulos de um folhetim romântico, cuja originalidade está na linguagem comum que usa e na ligação entre o relato de uma viagem e a narrativa de uma história trágica sobre a guerra civil que dividiu o país de 1828 a 1834, e de que o autor também foi protagonista. A viagem existiu de facto (de 17 a 22 de Julho de 1843) e foi aquela em que o Garrett foi ao encontro do seu amigo Passos Manuel, então numa espécie de exílio no interior, já que tinha sido arredado da ribalta política pelo golpe de Estado em que A.B.Costa Cabral restaurou a Carta Constitucional (1842). A narrativa é imaginada, e procura uma lição moral, depois de um tempo heróico ter cedido lugar ao conformismo e à indiferença – simbolizados na pessoa de Carlos. Se é certo que o autor, inspirado em Swift, Stern e De Maistre, nos diz que neste género importaria mais o estilo do que a doutrina, a verdade é que cuida do estilo, e da sua originalidade, mas também um pouco da doutrina, já que não esconde a acerba crítica em relação ao cinismo e ao agiotismo a que se chegara. O escritor quer acreditar na força dos ideais, mas olha em volta e nada do que vê aponta nesse sentido. Por isso, sendo um partidário da “monarquia nova” (como disse no discurso do Porto Pireu), foi obrigado a admirar no íntimo de si a convicção de Frei Dinis, o inesperado pai de Carlos, velho partidário da “monarquia velha”. A descrição da viagem entremeia a exaltação da natureza (“bela e vasta planície”, “delicioso aroma selvagem”) com as invocações pessoais, em aparente desordem. Até que chegamos ao vale de Santarém. Faias, freixos, álamos, madessilvas, musquetas, congossas, fetos e malva-rosas compõem uma sinfonia silvestre. E chegamos a uma janela, que faz adivinhar um feitiço. É a janela da “menina dos rouxinóis”, da “Joaninha dos olhos verdes”. E abre-se o romance: “Era no ano de 1832, uma tarde de Verão, como hoje calmosa, seca, mas céu puro e desabafado…”. Garrett mistura propositadamente as suas reflexões ao longo da viagem e o contar da narrativa, que ali teve lugar, no auge da guerra entre o Portugal novo e o Portugal antigo (com Joaninha, Carlos, Georgina, a Avó e Frei Dinis). Entre os episódios do romance, a viagem continua: “Recebeu-nos com os braços abertos o nosso bom e sincero amigo, actual possuidor e habitante do régio alcáçar, o Sr. M.P.” (Manuel Passos). E então: “comemos, conversámos, tomámos chá, tornámos a conversar e tornámos a comer. Vieram visitas, falou-se de política, falou-se de literatura, falou-se de Santarém sobretudo, das suas ruínas, da sua grandeza antiga, da sua desgraça presente. Enfim, fomo-nos deitar. Nunca dormi tão regalado sono em minha vida…”. Ontem, como hoje, a magnífica hospitalidade… E assim vida e literatura interligam-se.


Guilherme d’Oliveira Martins

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