A Vida dos Livros

UM LIVRO POR SEMANA

Maria Filomena Molder acaba de publicar “O Absoluto que pertence à Terra” (Vendaval, 2006). Estamos diante de um conjunto de ensaios sobre Hermann Broch (1886-1951), onde o autor austríaco é-nos revelado na sua inteireza e complexidade. E através do percurso difícil do autor de “Sonâmbulos” e de “A Morte de Virgílio” somos levados a compreender que “o pensamento do homem espiritual, o pensamento crítico, está votado a uma antinomia sem dialéctica resolúvel: mina, destrói os alicerces (…)”

UM LIVRO POR SEMANA
De 29 de Maio a 4 de Junho de 2006


Maria Filomena Molder acaba de publicar “O Absoluto que pertence à Terra” (Vendaval, 2006). Estamos diante de um conjunto de ensaios sobre Hermann Broch (1886-1951), onde o autor austríaco é-nos revelado na sua inteireza e complexidade. E através do percurso difícil do autor de “Sonâmbulos” e de “A Morte de Virgílio” somos levados a compreender que “o pensamento do homem espiritual, o pensamento crítico, está votado a uma antinomia sem dialéctica resolúvel: mina, destrói os alicerces da única fortaleza que o podia proteger, envenena a água que o mantém vivo, isto é, desmantela a unidade platónica da qual só ele podia ser o defensor”. “Poeta relutante”, chamou-lhe Hannah Arendt. E o certo é que estamos no fio da navalha, entre a poesia e a filosofia, tendo como pano de fundo a forte presença da poética. Usando a dicotomia de Platão, poder-se-ia perguntar se Broch é um “filho da Terra” ou um “amigo das formas”. Mas as dúvidas são evidentes e a resposta é sempre insatisfatória. De facto, há uma tensão na sua personalidade do autor, sem opção por um dos termos. “Nada há na vida empírica que seja unívoco”. Há sempre duas valências no conceito – “o fim é sempre um princípio, a decadência tem uma fertilidade própria, a redenção tem de provir do que é mais humilde e até do que é mais escabroso”… E a morte torna-se uma obsessão. O que interessa em Virgílio é a ideia que o poeta tem de fazer destruir a “Eneida”. Afinal, a literatura não passaria de impaciência por parte do conhecimento. E qualquer abordagem artística revela-se insuficiente. Daí a transição paradoxal do amor à literatura para a aversão à literatura. “O conhecimento da morte só pode ser conhecimento da redenção da morte, o conhecimento que o conhecimento da morte proporciona, o conhecimento disto, de que se morre sozinho…”. E Hermann Broch interroga-se sobre o vazio (o “problema que tem, por acaso, a mesma idade do que eu”). “Trata-se, sem rodeios, do problema da perda da forma absoluta, do problema do relativismo, para o qual não há nenhuma verdade absoluta, nenhum valor absoluto e, portanto, também nenhuma ética absoluta; em suma, trata-se do problema e do fenómeno desse gigantesco maquiavelismo que se prepara há cinquenta anos, e cujas consequência apocalípticas vivemos hoje na realidade”. Como disse Hannah Arendt em “Homens em Tempos Sombrios”: “a ‘missão’ de que Broch tantas vezes falou, a ‘tarefa incontornavelmente imposta’ que via em toda a parte, não era, em última análise, nem de natureza lógica nem epistemológica, embora ele a encontrasse e demonstrasse a sua presença constante na lógica e na epistemologia. A missão era o imperativo ético, e a tarefa que não se podia iludir era o pedido de socorro dos homens”. Como submeter todo o estético ao poder ético? Será um mundo em desintegração axiológica susceptível de representação como totalidade? Eis a preocupação axial de Broch.


Guilherme d’Oliveira Martins

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