A Vida dos Livros

UM LIVRO POR SEMANA

Bom Ano! Isaiah Berlin é uma companhia de eleição para o início do novo ano. “Rousseau e Outros Cinco Inimigos da Liberdade” (Gradiva, 2005) é uma obra de referência onde se reúnem as célebres conferências radiofónicas emitidas pela BBC em 1952, sobre seis autores que Berlin considera avessos à “ideia” de liberdade.

UM LIVRO POR SEMANA
De 2 a 8 de Janeiro de 2006


Bom Ano! Isaiah Berlin é uma companhia de eleição para o início do novo ano. “Rousseau e Outros Cinco Inimigos da Liberdade” (Gradiva, 2005) é uma obra de referência onde se reúnem as célebres conferências radiofónicas emitidas pela BBC em 1952, sobre seis autores que Berlin considera avessos à “ideia” de liberdade. Neste livro, constituído por textos pedagógicos muito claros, o escritor e publicista aproveita a oportunidade para fazer uma exposição convincente e atractiva sobre a liberdade humana, como factor essencial de criatividade e de emancipação, e sobre a história das ideias. Berlin dá, assim, os primeiros passos na apresentação do que, anos mais tarde exporá sobre o que designaria como os “dois conceitos de Liberdade” e que constituiu o fulcro do seu pensamento sobre a razão e sobre o Iluminismo. As conferências constituem um marco indispensável para a compreensão do pensamento contemporâneo. Afinal, a defesa da liberdade humana exige uma inabalável preocupação crítica, não apenas com os seus inimigos declarados, mas também com alguns dos seus defensores formais. Nesse sentido, descobrimos ao longo das estimulantes reflexões de Isaiah Berlin uma complexa interrogação sobre os percursos intelectuais dos autores analisados, sem simplificações nem tentações caricaturais. Os pensamentos de Jean-Jacques Rousseau, Helvetius, Saint-Simon, Fichte, Hegel e Joseph de Maistre são criteriosa e seriamente analisados sob o prisma da liberdade. A propósito das resistências e dúvidas que os autores consagrados manifestam, Berlin vai construindo um apelo à autonomia individual e à dignidade humana como marcas essenciais de civilização. E com que deparamos? Helvetius condena a ignorância, a crueldade, a injustiça e o obscurantismo. Rousseau ataca as artes, as ciências e os intelectuais e apela à alma humana simples – mas conduz-nos a um paradoxo funesto pelo qual “a liberdade mais ilimitada coincide com a autoridade mais rigorosa e limitadora”. Fichte e Hegel enaltecem o todo organizado e falam de missão e dever da Nação e do Estado. Saint-Simon fala de uma sociedade harmoniosa de “produtores do futuro”, no sentido de um sistema único e racional que possa erradicar os males económicos. Maistre analisa a luta perpétua entre seres vivos, num campo de sangue e de morte, onde os homens só excepcionalmente se tornam altruístas. Eis do que Berlin nos fala… E quem recorda a influência das conferências de 1952 alude a “brilhantismo e carisma”. A propósito de questões aparentemente áridas e pouco acessíveis, I. Berlin usa a sua fluência e a sua imaginação (a raposa contra o ouriço) para fazer do exercício crítico uma manifestação rara de inteligência e de fulgor. Um jovem ouvinte, entretanto tornado um grande historiador, disse tudo: as palestras «provocavam-me tanta exaltação que me sentava, durante cada conferência, no chão, junto ao rádio, a tirar notas».


Guilherme d’Oliveira Martins

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