30 Boas Razões para Portugal

(III) Santo António de Lisboa

Na cristandade talvez não haja outro santo mais popular. Se é preciso encontrar algo perdido temos um responso, se queremos uma boa noiva recorremos à sua misericórdia. E o nosso Padre Vieira perguntou um dia que se deveria fazer à terra que não se deixa salgar. E falou da galharda e gloriosa decisão que nenhum outro santo tomaria de falar aos peixes para que os homens avessos se deixassem convencer. Fernando Martins, também conhecido como Fernando de Bulhões, nasceu em Lisboa, onde iniciou a sua formação com os Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, no Convento de S. Vicente de Fora, partindo depois para Santa Cruz de Coimbra. Fazia-se sentir a decisiva influência do primeiro Prior, S. Teotónio, braço direito do nosso conhecido primeiro rei. O prestígio académico de Coimbra precedeu, assim, o Estudo Geral, podendo dizer-se que a sabedoria reconhecida ao futuro santo português demonstra a grande qualidade do ensino ministrado. Está bem presente a Regra de Santo Agostinho e os seus princípios: obediência, humildade e caridade. E Fernando aproxima-se da força inovadora das novas ordens mendicantes, através de uma mística centrada na pobreza, o que o levará de Santa Cruz até ao eremitério dos Olivais, ainda em Coimbra, sob a influência do «Poverello» e da memória dos mártires de Marrocos, adotando o nome de Santo Antão. E assim encontramos a vasta cultura agostiniana transmutada no ideal franciscano, o que leva frei António até Itália. Quando S. Francisco de Assis conhece o português apercebe-se do seu carisma e da solidez dos seus conhecimentos e incumbe-o do ensino da Teologia aos frades menores. Daí os textos impregnados de citações bíblicas e de um conhecimento exaustivo das Escrituras mercê de uma memória prodigiosa e invulgar. E a lista de autores confirma a solidez da fundamentação: Santo Agostinho, S. Bernardo, S. Hugo, Ricardo de S. Vítor, além de Orígenes e Gregório de Nissa. É a edificação das Almas que está em causa, destacam-se o sentido da humildade, a discrição, a sublevação e a alienação, bem como o tema do voo da alma, a transmutação dos sentidos espirituais, o significado do «oculus cordis» (o olhar do coração), e sobretudo a articulação mística da nuvem, da treva e da noite, num sentido que aproxima Santo António da mística peninsular de Santa Teresa de Jesus e de S. João da Cruz. Diz-nos: «o ferreiro, assim chamado por fazer ferro, é o pregador da Santa Igreja, que fabrica armas espirituais. Tem de sentar-se junto da bigorna, que é o estudo e o exercício da Sagrada Escritura, a fim de se exercitar naquilo que prega… Também os pregadores devem primeiro exercitar-se no ar da contemplação com o desejo da felicidade celeste, para depois mais avidamente serem capazes de alimentar-se a si e aos outros com o pão da palavra de Deus». O método de Frei António surge definido: «Que alegria maior pode existir no espírito do homem do que estar diante d’Ele, pelo qual e no qual tudo o que existe verdadeiramente existe, sem o qual tudo o que parece existir nada é, e tudo o que abunda é pobreza?». Aqui encontramos a chave da originalidade franciscana – a procura da dignidade pessoal, no sentido da fraternidade, da troca de dons, da vivência espiritual da pobreza, na compreensão do outro, na procura de tudo o que a irmã Natureza tem para nos dar… Mas os Sermões de Santo António, longe da abstração, contêm um voz severa e crítica contra os falsos profetas, os hipócritas, os padres avarentos, os prepotentes, os ladrões, os luxuriosos, os bispos indignos, os monges que fazem do deserto um palácio, do claustro um castelo, da solidão uma corte real – e ainda os leigos presos de todos os vícios… Sem eufemismos, Frei António põe cada um perante as suas responsabilidades, exigindo aos cristãos que saibam dar o exemplo… 

GOM

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