Os robôs são instrumentos, segundo Adela Cortina, que não tendo emoções, não servem como governantes e cidadãos de uma sociedade democrática, mas servem como ajuda na tomada de decisões. A vida política precisa de pessoas, feitas de razão, de sentimentos e emoção (como refere António Damásio) capazes de justiça e de compaixão. É necessário, pois, que os governantes assumam o seu papel modesto de facilitadores da via pública e que os partidos deixem de funcionar como agências de colocação e apresentem propostas diferenciadas do que em verdade querem e podem realizar, para servir a cidadania, não se limitando a caçar votos com palavras vazias. Se pedimos que a inteligência artificial (IA) seja um instrumento confiável, por maioria de razão temos de exigir à política das pessoas que respeitem a ética e a moral social. O compromisso político exige respeito mútuo.
Quando falamos do primado das pessoas, vamos buscar a etimologia às palavras grega “prosopon” e latina “personna” – que significavam as máscaras do teatro, que identificavam as personagens. Falamos, assim, do que é irrepetível, e humanamente intransmissível, definindo quem somos e a nossa relação com os outros. Quando Antígona (Sófocles) se revolta contra Creonte porque este não quer dar enterro digno a seu irmão Polinices, ela põe a justiça à frente da lei – chamando o fundamento, em nome da ética, que se sobrepõe à moral social e ao direito. A dignidade da pessoa humana é, assim, a marca universal da justiça e do que hoje designamos como direitos humanos.
Desde o século das Luzes (século XVIII) a Razão é valorizada como fator de organização e regulação da vida em sociedade. O “Cogito ergo sum” de Descarte e o “imperativo categórico de Immanuel Kant tornam-se referenciais. Perante o fenómeno religioso, há consideração da necessidade de completar a fé com a razão, o que ocorre com os dois autores referidos. Sem negar a dimensão do transcendente, há um otimismo crescente relativamente à razão e à racionalidade – que culminará no positivismo de Augusto Comte. Já o movimento da Reforma, com o primado da fé individual de Lutero e com a predestinação de Calvino, a razão ganha um lugar significativo.
Sobretudo depois da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) a liberdade religiosa ganha importância – tornando-se no século XX como liberdade de ter e não ter religião. Revela-se, no entanto, necessário que haja diálogo entre as religiões, o que pressupõe um conhecimento das mesmas. Daí a necessidade de não desvalorizar o fenómeno religioso, no contexto da liberdade e do pluralismo. Se analisarmos a Religião natural, encontramos uma interessante evolução que abarca: (a) as religiões primitivas, que se confundem com os mitos, que tentam explicar os grandes fenómenos da natureza; (b) o animismo, no qual temos uma simbiose entre humanidade e natureza e os antepassados, ligando naturalmente as gerações; (c) os sincretismos religiosos, como o hinduísmo, correspondem a uma fantástica capacidade de absorção de influências diferentes; (d) o politeísmo greco-latino; (e) ou as três religiões do Livro: judaísmo (do Antigo Testamento); o cristianismo (com diversos ramos com expressão global: romano, ortodoxo, protestante) e o islamismo (também com ramos diversos: como o sunismo e xiismo)…
Quando falamos da liberdade religiosa e da laicidade, salientámos que o pluralismo tem uma natural consequência na separação entre Igreja e Estado, na liberdade de ter ou não ter religião e no direito a não se perseguido por ter determinada crença religiosa. Laicidade corresponde ao pluralismo e ao respeito mútuo, e laicismo a uma ideia negativa em relação à religião. A Laicidade corresponde à lógica democrática. Esta laicidade exige e pressupõe um conhecimento mútuo dos fenómenos religiosos, para que não haja um diálogo de surdos – a que tantas vezes assistimos. Os fenómenos religiosos são sempre complexos – e pretendem compreender os limites e as incertezas e equacionar as grandes dúvidas sobre a vida e a existência. Vejam-se vários exemplos: nas religiões primitivas, encontramos as narrativas que tentam explicar os grandes mistérios da natureza (criação, bem, mal, vida, morte…). No animismo, a simbiose entre a humanidade e a natureza e o culto dos antepassados ligam naturalmente as gerações. Lembremo-nos da Floresta Sagrada do Benim, onde se crê estarem as almas dos antepassados, e onde os Orixás protegem as pessoas dos fenómenos da natureza. O Candomblé de Salvador da Bahia corresponde a um sincretismo religioso, que une as influências do animismo e do cristianismo – o orixá Oxalá figura Jesus Cristo, o Senhor do Bonfim, Iemanjá é a Virgem Maria, e Iansã Santa Bárbara (ver filme “O Pagador de Promessas”, de Anselmo Duarte, 1962). O hinduísmo tem uma grande capacidade de incorporar diversas influências: crê na reencarnação e tem castas, que correspondem a uma caminhada no sentido da perfeição nas diversas vidas. Encontramos o politeísmo greco-latino nas obras clássicas, ou em “Os Lusíadas” de Camões, unindo os maravilhosos pagão e cristão. Já nas três religiões do Livro: Judaísmo, Cristianismo e Islão temos uma Teologia bastante estruturada, na qual enquanto Jesus Cristo é Filho de Deus para os cristãos, é, como Maomé, um profeta para os muçulmanos. Os reptos da Razão Ilustrada correspondem à necessidade de reflexão racional e sentido crítico. Enquanto a modernidade procura um sentido necessário de progresso, a pós-modernidade faz convergir fatores diversos e complexos, que não se baseiam nas grandes narrativas.
Para além do primado da lei e da salvaguarda da justiça, importa que haja um processo aceite de legitimação, de modo que haja uma mediação legítima e justa por parte das instituições. As pessoas e os cidadãos devem, assim, ser participantes ativos na sociedade e ter representação, para que a comunidade funcione com uma partilha de responsabilidades. O conceito de pessoa torna-se a pedra-angular da Ética. A máscara identifica a personagem e na Ética a pessoa é o sujeito por excelência dos direitos e deveres, da liberdade e da responsabilidade. Daí a importância de um contrato social baseado na singularidade e na dignidade da pessoa humana.


