30 Boas Razões para Portugal

(IV) Portugal de Orlando Ribeiro

Sem a ajuda de um grande geógrafo não compreendemos o país, as paisagens, as pessoas. Isso é particularmente nítido com Portugal. Ao lermos Orlando Ribeiro (1911-1997) e a sua obra-prima “Portugal, o Atlântico e o Mediterrâneo” (1943) entendemos a identidade e a diferença, a pluralidade e as complementaridades. “Portugal é mediterrânico por natureza e atlântico por posição” – na fórmula de Pequito Rebelo. “Disposto de través na zona mediterrânica, bem engastado numa península que é como a miniatura de um continente, o território português abre-se para o mundo por uma vasta fachada oceânica”. Norte e Sul – o primeiro é atlântico, verdejante, húmido, com “gente densa”; o segundo mediterrâneo, com longos estios e escassamente povoado. Litoral e Interior – o país vai desde a verdura espessa, “banhada na luz doce e húmida” do noroeste até à aridez das terras de além Marão; desde a variegada aptidão rural do Vouga ao Sado ou do sul algarvio até aos monótonos descampados alentejanos… Terras altas e baixas, Serra e Ribeira, Campo e Monte, Montanha e Vale, Terra Alta e Terra Chã – assim define o povo a complexidade e as oposições, bem evidentes na economia e no povoamento. Desde a montanha húmida do norte e da economia agro-pastoril tradicional até aos relevos menos acentuados, secos e descarnados do sul, “onde o gado miúdo e as queimadas degradaram a floresta primitiva”, temos os traços de uma complementaridade e de uma coerência meridional. E, deste modo, a unidade de Portugal é em grande parte obra humana. Orlando Ribeiro não se limita a interrogar a terra. Olha sempre as gentes e a sua vontade, procurando as “raízes antigas”. O formigueiro humano e a intensa atividade rural de Entre Douro e Minho no tempo da reconquista denuncia o código genético do que será a unidade política de Portugal. E Portucale, junto à foz do Douro, vai ser matriz do corpo político donde sairá o Estado português – um Estado que precede a Nação. Portucale serve, desde cedo, após a reconquista do século IX, como designação dos domínios cristãos a sul do Lima. São os contrastes naturais que determinam a deslocação das populações. As vindimas do Douro, as ceifas da Terra Quente, a apanha da azeitona na Beira Baixa, as colheitas no Alentejo, a tirada da cortiça obrigaram a que houvesse movimentos internos de gentes. Nos arrozais, os caramelos do Mondego e do Vouga e os gaibéus do norte do Ribatejo ou os avieiros da foz do Liz… Ao Ribatejo e ao Alentejo chegam os minhotos pica-milhos, os beirões e os ratinhos. E em Lisboa e na Caparica encontramos as varinas varinos de Ovar, ao lado dos pescadores de Ílhavo. E em Azeitão, temos a distinção entre os caramelos de estar e os caramelos de ir e vir, os colonos permanentes e os migrantes periódicos. No fundo, “o que caracteriza as regiões geográficas de Portugal é o padrão miúdo e a rica variedade de aspeto e contrastes”. As transições são graduais e as regiões são definidas pela alternância entre as influências mediterrânicas e atlânticas – o Norte Atlântico, o Norte Transmontano e o Sul. O Norte Atlântico é o “tronco antigo e robusto” da nação, dominado pela abundância de chuvas, pela riqueza da terra e pela vitalidade da grei. É uma região de intensa diversidade e de policultura. O Porto velho é o polo histórico indiscutível da região, mas Braga pontua como sede do velho arcebispo primaz. A diversidade urbana coexistiu com a intensidade rural. As montanhas do Minho, as serras do Douro e do Vouga assemelham-se, mas o povoamento dá-lhes múltiplas facetas. No Norte Transmontano “a paisagem carrega-se de tons severos, cinzentos, acastanhados. A luz torna-se mais crua, a terra mais dura e a gente mais retraída”. Para cá do Marão, mandam os que cá estão! O arvoredo rareia. Desapareceram os castanheiros, a batata cultiva-se no planalto. A Terra Fria e a Terra Quente marcam a paisagem de extremos. Nas vertentes do Douro, os matagais deram lugar no séc. XVII aos formosos vinhedos do “vinho fino”, nos terrenos de xisto. A Régua é o epicentro e dali sai o vinho, Douro abaixo, para se tornar do Porto, sob os auspícios da colónia britânica. No Sul, o Alentejo singulariza-se pela monotonia da planície. Mas as terras meridionais são complexas e heterogéneas, começando na zona de transição do sopé da Cordilheira Central, a sul do Fundão, na Portela de Alpedrinha, onde a cova da Beira anuncia as planuras de além Tejo, indo, para oeste, através da planície aluvial do Mondego e da cidade de Coimbra até ao grande maciço florestal de Leiria. A seguir, o polimorfismo da Estremadura, os maciços calcários, os barros basálticos dos arredores de Lisboa, o microclima da romântica Sintra, a grande metrópole mediterrânea e a península de Setúbal, o santuário natural da Arrábida e a sua mata mediterrânea. Para leste, estão o Ribatejo, a lezíria, Santarém e o vale celebrado por Garrett em “As Viagens na Minha Terra”, que abre para sul na “imensidão de terra lisa ou apenas quebrada em frouxas ondulações…” Aí está Évora, “a cidade mais bela de Portugal”, repositório vivo da história portuguesa. E vêm depois o Baixo Alentejo, com Beja como centro, e os dois Algarves – a serra e a orla marítima, lugar de encanto e amenidades – “nenhuma outra região portuguesa possui uma rede urbana tão antiga, tão densa e tão importante”, com uma profunda organização romana e muçulmana, tendo esta passado quase intacta ao domínio português…

GOM

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