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Política externa, política de defesa no projecto de Constituição Europeia

Pequenas diferenças, maiores esperanças (e algumas cautelas)
Maria do Rosário de Moraes Vaz, Coordenador, Área Defesa & Segurança, IEEI, Lisboa

Política externa, política de defesa no projecto de Constituição Europeia


Pequenas diferenças, maiores esperanças (e algumas cautelas)
Maria do Rosário de Moraes Vaz, Coordenador, Área Defesa & Segurança, IEEI, Lisboa


As mudanças que o texto constitucional saído da Convenção faz – ou autoriza – ao figurino da política exerna, de segurança e de defesa europeia são necessárias à afirmação da União Europeia na cena mundial, com interesses, modelo e fisionomia própria.


Mas nem a preocupação com a eficácia presente na melhoria dos instrumentos, inclusive militares, dos modos e mecanismos de representação e decisão, nem o forte acréscimo de coerência e cumplicidade entre os aspectos comunitários e intergovernamentais da acção externa, nem mesmo a cláusula de solidariedade, estranhamente exígua, ou a exigência de que as políticas nacionais não entravem a acção política da União nem tolham os seus interesses, são suficientes para garantir que se forjou a Constituição da potência europeia, com autonomia suficiente para evitar a subordinação a interesses alheios e a paralisia própria de uma união política no futuro mais-que-imperfeito.


A resolução do dilema entre autonomia e dependência, que tanto marcará não apenas a ordem europeia mas a ordem internacional, não se fará porém pela letra do tratado constitucional mas, sim, tal como aconteceu aliás com o tardio despontar da defesa europeia, pela pressão das realidades da segurança europeia e internacional, que flecte e molda inimitavelmente a vontade dos Estados.


A primeira evidência – quando se trata de sopesar o efeito das alterações em matéria de acção externa – é que será uma União Europeia bem mais numerosa, que acrescenta de uma vez dez países e um conjunto mais vasto e diversificado de preocupações em matéria de política externa e de segurança e graus diversos de “atlantismo”, expande a sua fronteira externa simultaneamente a sul e a leste e reúne mais de 450 milhões de cidadãos, que se prepara “forjar uma comunidade de destino” e constituir-se num “modelo” e num “factor de estabilidade na nova ordem mundial”. A segunda evidência é que, embora seja imprudente extrair do projecto de Constituição para a Europa saído do denso labor da Convenção, que as negociações sob presidência irlandesa e quase certamente holandesa modificarão ainda nalguns passos, a exacta configuração da política externa, de segurança e defesa europeia – hesitante na formulação usada, o pré-texto constitucional autoriza já que se lhe chame assim, se pode porém constatar que a Europa permanecerá uma união política muito imperfeita.


Não porque o pendor intergovernamental se tenha acentuado, como realmente aconteceu, mas porque lhe falta a capacidade de agir em colectivo como regra e não como excepção facultativa que dê lastro ao protagonismo que tem já na ordem mundial. Em suma, falta-lhe a crença em si própria que, mais que meios, que são vastos, ou instrumentos, que no essencial existem e foram aperfeiçoados, determina em que medida a diversidade é um trunfo ou um estorvo à unidade de acção e de vontade. E determina igualmente, como corolário, se é ou não pela solidariedade que se resolve, a vinte e cinco, a tensão óbvia entre unidade e diversidade, apesar de ser este um dos motes do texto constitucional.


Não se sabe até que ponto vai o inexplicável fracasso da CIG – aos olhos dos cidadãos, pelo menos – contribuir, perdido em parte o ímpeto da Convenção, “desconstruir” o texto constitucional. É quase certo porém que não o vai “destruir”. Isso equivaleria a um recuo geral que ninguém quer, e a um péssimo augúrio para o alargamento (o que agora se consuma e o que se avizinha), cujo impulso político inicial naufragou já, aliás, de encontro às asperezas negociais e aos egoísmos instalados. Nas matérias que aqui nos ocupam, porém, ou seja, na parte das políticas propriamente ditas e não no que concerne (a não ser indirectamente) ao peso dos Estados, e salvo talvez no recorte preciso da figura (e até na designação do MNE europeu), o texto pré-negociado na Convenção sobre o Futuro da Europa deverá sair no essencial incólume das negociações post-CIG.


Principais novidades no campo da acção externa


A primeira grande diferença, que tanta relutância suscita entre os “pequenos”, é a fixação a tempo inteiro, por dois anos e meio extensíveis até cinco, por escolha do Conselho Europeu e a partir do final de 2009, do Presidente do Conselho Europeu numa personalidade que não acumula cargos nacionais e assume funções superiores de representação externa da União em matéria de política externa, que na área comunitária compartilha com o Presidente da Comissão. O verdadeiro rosto da política externa, de segurança e defesa europeia será no entanto o do Ministério dos Negócios Estrangeiros da União, também ele escolhido directamente pelos chefes de Estado e de Governo, que preside ao Conselho de Ministros dos Negócios, que é aliás a única formação sectorial especificamente consagrada no texto constitucional. O MNE europeu é simultaneamente membro e obrigatoriamente vice-presidente da Comissão Europeia onde chefia o pelouro das Relações Externas, actualmente a cargo de Chris Patten,e participa também nas reuniões do Conselho Europeu. Responsável pela condução e participante activo na formulação da política externa, de segurança e defesa europeia, cabe-lhe igualmente velar pela geral harmonia da acção externa da União e representar a União Europeia em conferências ou organismos internacionais. A criação deste cargo é de capital importância tanto para o robustecimento da política externa e de defesa como para a acção externa da União Europeia. É evidente que, quanto a dar vulto às funções do MNE europeu e protagonismo internacional à União, muito dependerá da personalidade que for escolhida e do modo como aglutinar (ou não) a parte intergovernamental, impondo inclusivamente uma disciplina e uma solidariedade europeia aos seus pares, e a parte comunitária da acção externa da União Europeia. Se são de esperar maiores cautelas, por exigência do Reino Unido, na delimitação das suas funções, os mais europeístas não desesperam de que constitua um elemento de contaminação comunitária da política externa e de segurança. Não descuram porém a possibilidade contrária, e alertam que as pontes de passagem estabelecidas entre Comissão e Conselho podem favorecer contágios nos dois sentidos.


Por mais interveniente e disciplinador que seja, o MNE europeu não compensará porém a manutenção, como regra geral e por pouco exclusiva, da unanimidade – paradoxalmente menos geradora de consensos que a decisão tomada por maioria, qualificada ou não, que exige a procura de convergências mais fundas; o uso do veto, como é sabido, serve os mais fortes mas isola e marginaliza os mais fracos. Este é um factor de paralisia da política europeia que a Convenção não pôde contornar – revelaram-se, na realidade, infundadas as esperanças que a Comissão mantinha de que a CIG fosse mais longe que a Convenção.


Para fora ou para dentro?


A consequência, óbvia, é que a política externa continuará a ser mais um instrumento de neutralização de posições divergentes dos Estados membros e de preservação da própria União, que impede, em vez de favorecer, a acção comum quando esta transcenda – e ainda assim – o campo meramente declaratório. Quem pode esquecer que nos tempos mais sangrentos das guerras balcânicas se afirmava sem ponta de cinismo que o grande resultado da política externa tinha sido permitir que a União, nascente, lhes sobrevivesse? Espantoso exemplo, mais recente, de neutralização foi a reunião extraordinária de Fevereiro de 2003 do Conselho Europeu sobre o Iraque, em que as acrobacias na redacção no documento final permitem que este albergue uma divergência tão abissal e tão patente aos olhos do mundo como fazer ou não fazer a guerra ao Iraque com ou sem consentimento que o Conselho de Segurança finalmente recusou aos Estados Unidos. A política externa assim feita para dentro leva, obviamente, à irrelevância europeia e à menorização do estatuto da União Europeia na ordem mundial, para não falar do desânimo que provoca entre os cidadãos europeus e da desilusão que cria, além fronteiras, entre os que ainda não desesperaram de uma Europa reconhecivelmente actuante.


O “artigo 5º” possível, e o jogo externo/interno


Também a “cláusula de solidariedade”, uma espécie de artigo 5º protecção civil perante calamidades naturais ou provocadas e ataques terroristas, cuja aplicação é cometida à actual PESO, fica aquém do necessário. A exclusão propositada de um ataque armado, no sentido clássico, só se explica, quer no plano da segurança quer num plano moral, pela sua improbabilidade. A razão por que não figura é, porém, do ponto de vista dos países alinhados, a preocupação de não desvalorizar a Nato nem hostilizar os Estados Unidos, e, do ponto de vista dos neutros, tornar o menos territorial e obrigatória e o mais abnegada e facultativa possível a defesa europeia. A cláusula de “defesa mútua”, assim expressa, é reservada aos países participantes numa “cooperação mais estreita”, que tem a característica importante de ser aberta a todo o tempo e vigorar até ao momento em que se realize a ambição expressa de fazer progressivamente chegar a política de defesa comum da União à defesa comum. Fica assim reservada à intimidade dos signatários do Tratado do Atlântico Norte, como deixa entender a menção feita à escrupulosa colaboração com a Nato no caso improvável de se materializar, a obrigação de acudir a um outro membro da União que faça parte do grupo e seja vítima de um ataque armado no seu território.


“Cooperações estruturadas”: abertas, mas só num primeiro tempo


Muitos propuseram a seu tempo o levantamento da interdição ao capítulo da defesa da fórmula das cooperações ditas reforçadas permitida primeira vez, dentro do quadro da União Europeia, pelo provavelmente efémero (esperemo-lo!) Tratado de Nice, que vigora desde Fevereiro de 2003. Esta fórmula, bem como aliás a inovação adoptada em Amsterdão, que permitia a votação por maioria qualificada na PESC na passagem à prática de certas medidas que fizessem parte de uma “estratégia comum”, nunca foram porém aplicadas. Sorte diversa terá talvez – ou melhor teve já, bem antes de estar em vigor ou ter sido fixado sequer o texto da Constituição – a figura da “cooperação estruturada”, nome por que passa a designar-se a cooperação reforçada exclusivamente em matéria de política de segurança e defesa europeia.


Os seus defensores viam nela uma maneira de criar na defesa um núcleo duro dos mais dispostos a avançar, mas avisaram que tais coligações não seriam apenas baseadas na vontade mas certamente também na capacidade, tanto mais que lhe era já associada a noção, aliás justa, de uma espécie de “critérios de convergência”. A fórmula consagrada no texto constitucional, a ser mantida tal qual, põe claramente a tónica nas capacidades militares dos países da cooperação estruturada, a ser fixadas, tal como os “compromissos mais vinculativos” que terão que contrair entre si e cuja natureza não é explicitada, num protocolo a apensar ao tratado. Configura-se pois, embora dentro do quadro mais largo da União Europeia, uma vanguarda no duplo sentido da potência militar e da força de compromissos mútuos.


Para que outros países avancem para a vanguarda, terão que ser aceites pelos que já lá estão. Mais que uma coligação de vontades, forma-se asim uma coligação de capacidades, o que resultará num aumento geral da eficácia mas não necessariamente num aumento da solidariedade, a não ser no seio da vanguarda.


Onde começa e onde acaba a segurança?


É consensual entre a generalidade dos analistas que os progressos matéria de segurança e defesa superam os que foram introduzidos na Constituição em matéria de política externa. Os que assim pensam ecoam aliás o discurso paliativo dos primeiros ministros dos “grandes” países europeus, pressurosos em enaltecer, com pequenas variações de linguagem, os “notáveis progressos” em matéria de defesa, depois do enorme balde de água fria que foi o Conselho Europeu de Bruxelas. Em bom rigor, isto não é verdade.


A política de segurança e defesa faz parte da política externa da União, não porque isso esteja escrito na letra da constituição, como está, como todas as letras, mas porque se inscreve na realidade das coisas: os interesses e os riscos de segurança assim o ditam. A defesa europeia surgiu por duas razões: porque a Europa percebeu que, sem ela, não tinha uma política internacional digna desse nome, e porque os europeus perceberam que, sem uma defesa a que se pudesse ir chamando progressivamente europeia, a soma do poder militar dos seus Estados era demasiado débil, apesar de numericamente expressiva, para escorar com credibilidade posições tomadas na cena internacional e mesmo europeia. O transvase entre defesa e política externa é pois uma evidência irrecusável, e uma não existe completamente sem a outra.


Se há alguma dicotomia forçada entre política externa e de segurança e política de segurança de defesa europeia, expressa no uso alternado das cabalísticas siglas PESC e PESD, o elemento comum da segurança, tomado na dupla acepção que o clima pós-11 de Setembro propicia, aproxima no entanto a Europa das preocupações dos cidadãos, e pode constituir o traço de união que a atenua. Tanto por virtude de um certo e natural egoísmo que leva os europeus a considerar como cimeiras as preocupações com a sua própria segurança (no sentido lato do termo, repita-se, que recobre evidentemente matérias estritas de segurança interna, domínio em que a Europa não decidiu ainda compartilhar soberania), como de um manifesto altruísmo que os leva a crer que as tarefas da defesa europeia são as de garantir a protecção e a segurança dos outros, no cenário das missões post-soberanas configurado pelas chamadas “missões de Petersberg”, que apenas deixam taxativamente de fora a clássica defesa territorial.


Os europeus, como as mais diferentes sondagens sublinham, querem uma união europeia forte, solidária e interveniente, com política externa e política de segurança e defesa própria, e mais vincadamente esta última. Vão muito mais além, aliás, que os governantes que elegem, e não se assarapantaram com a ideia de um exército europeu, nunca explicitada mas também não proscrita na Constituição, que aliás convoca, sem outra reticência que não a temporal e a da soberana vontade do Conselho Europeu, uma defesa europeia também no sentido tradicional.


A sombra do Iraque, e da aventura de fortuna e legalidade incerta a que vários países europeus, na fase da guerra e depois na fase mais mortífera da ocupação, cometeram forças militares de algum significado, nos termos e com os meios negociados bilateralmente com os Estados Unidos, fora de qualquer instância da segurança europeia, paira fortemente sobre a defesa europeia. De modo mais geral e preocupante, faz duvidar da possibilidade de dar consistência aos três pilares da política externa:


solidariedade política,


interesse geral, e


convergência na acção dos países da União.


Isto a menos que a parte comum da política externa e de defesa europeia evite as questões relevantes da segurança internacional, que são, basicamente, aquelas que os Estados Unidos definem como parte da sua agenda extra-territorialmente defensiva, e se remeta às questões ditas menores, de que a América se desinteressa, para se concentrar, além do que sobra da esfera comunitária na “política de boa vizinhança”, nas crises africanas e no que resta da estabilização balcânica.


As três missões conduzidas até hoje sob a égide da PESD, sumariamente descritas adiante, indicam aliás cenários que exigem desempenhos bem mais modestos que as ambições iniciais indicavam como prováveis e correspondiam ao desejo de dotar a União da capacidade para participar autonomamente em missões da envergadura da operação da Nato na Bósnia-Herzegovina do início dos anos ’90 – que continuamos a preparar-nos, pelo menos até ao final de 2004, para herdar definitivamente a sua versão já bem mais reduzida, que não deverá exceder uns sete a dez mil homens (sete mil, previsão de Fevereiro de 2004). Quando a Europa estiver pronta, talvez a operação já nem seja necessária. Esse seria aliás o cenário ideal, embora os episódios lamentáveis que exigiram um abrupto reforço da presença militar da Nato no Kosovo, em finais de Março de 2004, e os temores de spill-over na Bósnia e na Macedónia, façam duvidar que assim seja.


Os membros da União Europeia formulam na Constituição, presume-se que conjuntamente, a intenção de melhorar as suas capacidades militares. Esta menção é por si mesma extraordinária num texto constitucional, que assim consagra uma espécie de defeito congénito – e a atávica inferioridade em relação aos Estados Unidos. Exprime, é verdade, uma realidade geral insofismável que no entanto se faz sentir de modo muito diferente entre os países membros, e que não é independente das missões militares que a Europa se atribuir. Ou seja, não faz sentido medir-se em toda e qualquer circunstância, e mormente no plano orçamental, pela bitola dos Estados Unidos. Mas é inquestionável que a bitola por que se medem os países europeus, e designadamente a França, em termos de agilidade e “utilidade operacional” dos exércitos, é o Reino Unido. Se o reconhecimento deste “defeito congénito” contribuir, como deixa entender a criação da Agência Europeia de Defesa (entretanto decidida em Salónica e que se aproxima da fase propriamente operacional), para fazer avançar a investigação, identificar lacunas, planificar, programar e gerir aquisições em conjunto, e no sentido expresso de reforçar a capacidade de segurança e defesa europeia, dará assim, no entanto, pretexto para um passo no bom sentido.


Perto de um milhar de reuniões ao ano se fazem para promover a coordenação intereuropeia nas Nações Unidas. Mais houvesse, e isso não bastaria para assegurar que a União Europeia se comporta nas Nações Unidas, e menos no Conselho de Segurança, como um colectivo nas grandes questões da segurança internacional. Como foi notado com pertinência, nem os adversários acérrimos da intervenção militar para derrubar Saddam Hussein (França, Alemanha), nem os seus defensores mais aguerridos (Reino Unido, Espanha), com assento temporário ou definitivo no Conselho de Segurança, fizeram um esforço sério para “europeizar”, mesmo que acessoriamente, as suas posições. É justamente este o risco a que o texto constitucional – que o mesmo é dizer o consenso actual entre os governantes – não atalhou seriamente: de que o que é considerado pelos Estados fundamental fique no campo Nacional, e o que é secundário fique no campo europeu, assim convertido num extra optativo.


É mimético das preocupações americanas o conceito estratégico europeu endossado em Salónica e aprovado em Bruxelas, que dá pelo estranhável título Uma Europa Segura num Mundo Melhor. Se as inseguranças, quer do ponto de vista dos Estados quer dos cidadãos, são essencialmente as mesmas de um e outro lado do Atlântico, as visões respectivas para as confrontar, tanto no modo como no espaço e no tempo, não são de facto coincidentes. Preencher lacunas – em matéria de capacidade militar é necessário mas não basta para saber se a política externa e a defesa europeia será autónoma ou subsidiária da americana, nem mesmo para saber que parte dela será verdadeiramente comum. Com o novo tratado constitucional, a política externa, de segurança e defesa parece dar um passo possível mas não certo no caminho de uma mais marcada e útil actuação da Europa na cena mundial. As esperanças, em suma, são ainda maiores que as diferenças.



A PESD EM ACÇÃO


EUPM / 2003-2005 / Bósnia-Herzegovina


Missão policial na Bósnia, herdada das Nações Unidas e com idêntico objectivo de consolidação do Estado de direito, no particular aspecto do fomento das “boas práticas” em matéria de policiamento, inclui actividades de orientação, fiscalização e inspecção da polícia local. Decidida em Março de 2002, iniciou-se a 1 de Janeiro de 2003 para durar três anos. Reúne um efectivo próximo dos 500 homens, provenientes dos Quinze e de mais dezoito países. O orçamento anual é de EUR 38 milhões, 20 dos quais do orçamento comunitário.


A missão de estreia da PESD não foi pois militar, mas policial, e corresponde politicamente ao objectivo geral da estabilização dos Balcãs. A necessidade de completar o contingente militar, em missões de pacificação ou reconstrução nacional, com um efectivo de polícia civil de 5 mil homens, fora precocemente identificada pela União, e a sua constituição decidida no Conselho Europeu da Feira, em Junho de 2000.


A União Europeia prepara-se para susbstituir a missão militar da Nato na Bósnia-Herzegovina no final de 2004, altura em que o efectivo deverá ter sofrido uma nova redução actualmente programada para menos de dez mil homens. Há declarações contraditórias, quer por parte da União Europeia quer por parte da Nato, sobre o “grau de prontidão” europeu para assumir integralmente a missão.


CONCORDIA / Abril-Dezembro 2003 / Macedónia


Missão militar na Macedónia, herdeira da Allied Harmony da Nato, destinada a fazer observar o acordo de Ohrid, de Agosto de 2001, em que o governo macedónio e os rebeldes puseram termo às hostilidades, concordando os rebeldes em depor as armas e o governo em conceder maior representação institucional à minoria albanesa, de cerca de um quarto dos dois milhões de macedónios. Foi aclamada como o nascimento da PESD, com os votos de que pudesse ser “a primeira da União Europeia e a última na Macedónia”. A operação, comandada por um general alemão, reúne uma força de cerca de 350 homens, provenientes de treze países membros e quatorze não membros da União Europeia, sob o comando de um oficial francês e, durante o período de prorrogação a partir de 1 de Outubro, de um oficial português. Tem por finalidade tomar supérflua presença de uma força internacional na Macedónia, e politicamente obedece, tal como a EUPM, ao objectivo europeu de estabilização política e de segurança nos Balcãs.


Apesar da reduzida dimensão, curta duração e relativa simplicidade da missão, que faz, basicamente com os mesmos intervenientes, o que fazia quando se chamava “harmonia” e não “concórdia”, a mudança de bandeira exigiu, uma vez que se “faz uso dos meios da Nato”, o bom sucesso das complicadas negociações UE-Nato. Com estes arranjos considerados permanentes e denominados ‘Berlim Plus’, que consumiram aliás uma parte substancial do tempo e do esforço das estruturas da PESD, fica estabelecido o essencial dos mecanismos de colaboração, inclusive operacional, entre as duas organizações.


Os episódios de ressurgimento da violência ocorridos em Setembro de 2003 levarão talvez a considerar nova prorrogação da operação Concordia, inicialmente de seis meses, para além de 15 de Dezembro de 2003, ou a um robustecimento da EUPOL, a missão de polícia já programada para lhe suceder imediatamente, sob a denominação PROX IMA.


ARTEMIS / Junho-Julho 2003 / Bunia, Ituri, RD Congo


Operação militar «relâmpago» liderada e substancialmente constituída por tropas francesas, destinada a estabilizar o perímetro de Bunia, expulsar os guerrilheiros e estancar os massacres civis. Realizada a pedido das Nacões Unidas, é precursora da missão da ONU iniciada em 1 de Setembro, que envolve um contingente mais numeroso (3,800 homens) e tem um mandato e um perímetro de actuação mais lato. A operação Artemis, autorizada a usar a força apenas para responder a fogo inimigo por imposição essencialmente alemã, foi considerada um sucesso e possibilitou de facto o regresso a Bunia de muitas centenas de pessoas fugidas aos ataques dos guerrilheiros. Foi louvada, igualmente, a rapidez com que a União respondeu ao pedido da ONU de que constituísse uma força de intervenção de emergência. A chegada dos primeiros soldados para garantir a segurança do aeroporto de Bunia, a 6 de Junho, coincidiu praticamente com a decisão formal de realizar a operação, tomada na véspera por uma “acção comum” aprovada pelo Conselho.


Esta operação, que envolveu cerca de 1,800 soldados, exemplifica o tipo de colaboração UE-ONU que pode vir a desenvolver-se no futuro, se não na prevenção de conflitos, ao menos em minorar as suas consequências sobre a população indefesa. É importante também por demonstrar a resposta pronta por parte da PESD, ainda que para isso fosse necessária uma operação essencialmente nacional, neste caso francesa, de curta duração, e que não exigia sequer, a não ser no plano da solidariedade, outros contributos militares.


O figurino das missões da PESD por delegação num grupo, eventualmente singular, de países, como previsto no pré-texto constitucional, tem aqui a sua primeira concretização avant la lettre, num cenário provável de futuro envolvimento europeu: a África, e em particular os Grandes Lagos.

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