A Vida dos Livros

“Poesia 61”

O conjunto de cinco plaquetes publicado em Faro sob uma capa comum como o título de “Poesia 61” (maio de 1961) representa, de algum modo, um retorno à tradição vanguardista que em termos emblemáticos “Orpheu” tinha representado. Celebramos gostosamente os 60 anos desse momento.

UM ENCONTRO SINGULAR

“Poesia 61” reúne cinco autores diferentes, que seguiram caminhos próprios, embora, segundo Gastão Cruz, “a muitos parecesse que aquilo era o mesmo”. Contudo, o que há é um impulso comum, que merece atenção. E Eduardo Prado Coelho entendeu que esse encontro (e não movimento) “procurou defender uma conceção estrutural do poema. Em que cada elemento depende de todos os outros e apenas se define no espaço total e ilimitado do poema através de uma rede muito densa de relações” (in “A Jovem Poesia”, “Diário de Lisboa”, 4.7.1968). Casimiro de Brito (1938) com “Canto Adolescente”, Fiama Hasse Pais Brandão (1938-2007) com “Morfismos”, Gastão Cruz (1941) com “A Morte Percutiva”, Luíza Neto Jorge (1939-1989) com “Quarta Dimensão” e Maria Teresa Horta (1937) com “Tatuagem” protagonizaram essa iniciativa, publicando cinco textos, sob uma capa comum da autoria de Manuel Baptista. Óscar Lopes e António José Saraiva identificaram o grupo como predominantemente universitário e referiram a importância de  uma “evolução conjunta da poesia experimental em sentido tangente ao realismo social”. Segundo a análise de Gastão Cruz (algarvio, como Casimiro de Brito) houve uma preocupação comum, que correspondeu a uma demarcação relativamente à linguagem poética em vigor nos últimos anos 40 e princípios de 50. E as folhas de poesia “Árvore”, com quatro números publicados de 1951 a 1953, dirigidas por António Ramos Rosa, José Terra, Luís Amaro, Raul de Carvalho e António Luís Moita, com vasta colaboração (Sophia, Eugénio de Andrade, Egito Gonçalves, Jorge de Sena, Cristóvam Pavia, David Mourão-Ferreira e tantos outros), constituíram o melhor repositório de uma interessante confluência entre as lições de Pessoa e de Casais Monteiro e as propostas neo-realistas e surrealistas. Como dirá Luíza Neto Jorge, o surrealismo tinha razão de ser como modo de pôr em causa cânones bafientos e como reação a um ambiente social fechado e rígido. Só a partir de um tal inconformismo seria possível constituir formas e ideias novas. Natália Correia incluirá, aliás, em “O Surrealismo na Poesia Portuguesa” (Europa-América, 1973) duas autoras da “Poesia 61” – Luíza Neto Jorge e Maria Teresa Horta.

UMA INFLUÊNCIA TRANSVERSAL

Mas é a influência indireta de António Ramos Rosa que está bem presente transversalmente em “Poesia 61”, quer na consideração da poesia “como diálogo com o universo”, quer na lógica de uma poesia social fraterna que não escondia a procura exigente de um estatuto de linguagem. Não esqueçamos a experiência dos “Cadernos do Meio Dia” (1958-1960), com A. Ramos Rosa, Casimiro de Brito, Fernando Moreira Ferreira e Hernâni de Lencastre, também impressa em Faro, na mesma tipografia Cacima, que antecipa os cadernos de 1961. Gastão Cruz  chamou, porém, sempre a atenção para a necessidade de evitar o “comodismo dos rótulos”, devendo  considerar-se  as “obras e os percursos individuais”, designadamente a sua própria fase de aprendizagem. Deste modo, há uma preocupação persistente na ligação entre o “poeta do real”, para quem a imagem é importante, e a grande relevância da palavra, “elemento nuclear do discurso poético”. Como dirá Fernando J. B. Martinho, importa ter presente em Gastão Cruz o movimento pendular entre “uma consciência agónica que diferentes temas de inegável ressonancia pessimista balizam e uma teimosa crença na vida e em valores correlativos…”. E esta preocupação de rigor, de sentido e de atenção à realidade e às raízes encontramo-la em Fiama Hasse Pais Brandão, e na distância relativamente a “vanguardas loucamente velozes e devoradoras”, preferindo a “metafísica humilde, sempre a dizer o mesmo, o mesmo, talvez por outras palavras e modos”. E Eduardo Prado Coelho dirá que o denominador comum para a geração de “Poesia-61” é a recusa de uma interpretação socio-lógica ou psico-lógica dos textos. Não se trata “de encontrar a tradução esteticamente adequada de uma vivência muito sincera do sujeito psicológico, nem de ir descobrir a mensagem social ou o programa ideológico que tal sujeito em poesia nos propõe. Trata-se de formular uma conceção topológica do texto, como lugar onde o sentido se produz” (in “A Palavra sobre a Palavra”, 1972). Deste modo, se cuidarmos de uma análise criteriosa e atenta dos percursos de todos os protagonistas de “Poesia 61”, encontramos preocupações comuns que definem uma identidade inconformista e reconstituinte, sem esquecer a necessidade de trilhar caminhos múltiplos e de articular a liberdade e a renovação com a escolha da palavra, numa atenção simultânea ao real e às metamorfoses que ligam permanentemente o passado e o futuro.

Guilherme d’Oliveira Martins

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