Em Busca de Ideias Contemporâneas

O “nosso” Edgar Morin

Folhetim de Verão “Em Busca de Ideias Contemporâneas” – capítulo 11

Em Portugal começou a falar-se de Edgar Morin nos anos sessenta do século XX, quando o francês era uma língua dominante entre nós. Para a direita Morin era um homem de esquerda; para a esquerda como comunista tradicional: um traidor. Para o setor mais jovem que fazia da crítica ao revisionismo o seu principal ponto de honra, era um neorrevisionista a ignorar. Só aqueles que se situavam fora dessas ortodoxias encontravam matéria para reflexão numa obra como Introduction à une Politique de l’Homme. E foi precisamente através destes que Morin como pensador do político veio pela primeira vez a Portugal. A partir desse momento, num processo já longo, o seu nome conquistou progressivamente espaço noutros setores: uma parte significativa da sua obra foi traduzida em português; convites para colóquios e congressos sucederam-se e no final dos anos setenta surge citado no ensino secundário e em alguns setores do ensino superior.

Até 1974 apenas duas obras suas tinham sido publicadas em Portugal : O Cinema ou o Homem Imaginário (Moraes, 1970) e La Rumeur d’Orléans (Início, 1971). As duas obras começaram por ter saída reduzida, mas alguns anos depois esgotaram-se. A história de La Rumeur d’Orléans é particularmente curiosa e faz-nos pensar num dos numerosos insólitos que escapam às muito objetivas estatísticas de vendas. Neste caso o insólito tem a ver com uma capa. A primeira versão desta tradução era branca, sóbria, sem qualquer ilustração. Depois da revolução de Abril, certamente para ultrapassar as dificuldades financeiras da casa editora (que entretanto abrira falência) alguém decidiu compensar o investimento falhado na Sociologia, através de uma nova estratégia de marketing. Aproveitando os ventos da liberalização dos costumes, surgiu uma capa insinuante – uma teenager nua numa posição provocante – e o inacreditável aconteceu: quando, em 1979, o livro se tornou matéria de estudo obrigatório na disciplina de Psicossociologia na Universidade Nova de Lisboa, os estudantes foram encontrar La Rumeur d’Orléans nos alfarrabistas do Parque Mayer entre matéria pornográfica. Uma vez descoberto o segredo, houve que refazer o itinerário dos “especialistas” na matéria, e comprar os últimos exemplares disponíveis que custavam cerca de 20 escudos cada.

Depois de um vazio de quatro anos, as Publicações Europa-América e Francisco Lyon de Castro empenharam-se na divulgação da obra de Edgar Morin, que se inicia em 1975 com a tradução de Le Paradigme Perdu. Depois de um ano de insucesso, assiste-se ao crescimento das vendas, que viria a justificar uma terceira edição. Depois, L’Homme et la Mort conhece um ritmo de aceitação rápido. 1982 é o ano da grande aventura editorial: os dois volumes de La Méthode são publicados com poucos meses de intervalo. O primeiro tem uma venda que se pode considerar boa, já o segundo terá uma saída mais lenta. Um ano depois, é a vez de De la Nature de l’URSS, cuja aparição é marcada pela presença de Morin. E, em outubro do mesmo ano, Science Avec Conscience é publicado e, em dezembro, sob o patrocínio do mesmo editor, realiza-se em Lisboa um Colóquio sobre a complexidade, no qual participam Edgar Morin e sete professores universitários portugueses ligados a diversos domínios da investigação. Este debate foi publicado em 1984 com o título Le Problème Epistemologique de la Complexité. Finalmente surgiu Sociologie precedido de Pour Sortir du XXe Siècle, este último publicado pela Editorial Notícias.

Com esta rápida incursão na paisagem editorial, parece legítimo afirmar-se que Morin é um dos pensadores contemporâneos mais traduzidos em Portugal. (…) Não é ilógico afirmar-se que tendo em conta a entrada de Morin no ensino, há em Portugal um mercado significativo de leitores potenciais. Para completar esta perspetiva no panorama cultural português, refira-se que entre 1978 e 1981 o seu nome surge como Conselheiro Cultural da revista “Raiz e Utopia – Crítica e Alternativas para uma Civilização Diferente” – dirigida por Helena Vaz da Silva. Em seguida por convite do Instituto Piaget português esteve envolvido em diversas iniciativas nos domínios da Aprendizagem e Desenvolvimento, Epistemologia de Piaget e Novas Revoluções da Ciência. As relações com o Centro Nacional de Cultura desde então tornaram-se permanentes, o que deu lugar à publicação do volume “Pensar o Milénio com Edgar Morin” em diálogo com: Alberto vaz da Silva, Ana Barbosa, António Alçada Baptista, Emílio Roger Ciurana, Frederico Mayor, Francisco Lyon de Castro, Guilherme d’Oliveira Martins, Helena Vaz da Silva, Jean Louis Le Moigne, José Mariano Gago, Maria Calado, Maria de Lourdes Pintasilgo, Mário Ruivo, Raissa Mézieres, Roberto Carneiro e Emílio Rui Vilar.

É um percurso cheio de ligações afetuosas e reflexivas.

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