A moral dialógica de Adela Cortina corresponde a uma consequência natural do pluralismo axiológico. A incomensurabilidade dos valores, a salvaguarda da liberdade individual, o respeito mútuo, a compreensão do lugar do outro – tudo nos obriga a considerar a Ética Mínima como um constante diálogo entre princípios, normas e factos. Afinal, o “acontecimento torna-se o nosso mestre interior” (segundo Emmanuel Mounier). Através dele nós entendemos a importância do outro como a outra metade de nós mesmos. Paul Claudel dizia que connaître era con-naître (conhecer com). De facto, não conhecemos sós, aperfeiçoamo-nos pela experiência e pela aprendizagem com os outros. Daí a ligação natural entre conhecer e compreender.
A compreensão leva-nos a integrar em nós a realidade que nos cerca e as pessoas que estão connosco, ou que precisam de nós. O pluralismo axiológico supera relativismo e absolutismo. Daí a importância de conceitos como: Atenção – estarmos de olhos abertos para o que nos rodeia; Cuidado – estarmos disponíveis para ajudar e responder; Exemplo – sermos coerentes entre o que dizemos e o que fazemos; Experiência – fazermos da experiência a melhor aprendizagem; Inclusão – passar da cidadania exclusiva à participação inclusiva; Diversidade – garantir igual consideração por todos. Se o cuidado se revela uma responsabilidade fundamental, também o mesmo se passa com o amor na expressão diversa – como Phília (amizade); Eros (amor carnal) e Agapé (amor espiritual). Veja-se como na palavra ágape (refeição, banquete) nós chegamos ao verbo comer, que significa alimentarmo-nos com. No célebre poema de T. S. Eliot: “Where is the wisdom we have lost in knowledge? / Where is the knowledge we have lost in information?”. Esta é uma das chaves do momento presente e dos desafios perante os quais nos encontramos. Quando Eliot faz as duas perguntas, afirma-nos que precisamos de transformar a informação em conhecimento e o conhecimento em sabedoria. Vivemos cheios de informação. Isso é positivo, desde que tal excesso não nos afogue. Precisamos de escolher. E precisamos de entender que se as novas tecnologias de informação nos permitem estar em linha (on line), a verdade é que corremos o risco da manipulação. Precisamos de tempo e reflexão para conhecer e compreender, para não nos deixarmos influenciar pelas aparências, pelas ilusões e pela mentira (fake news). Só o tempo e o pensamento nos permitirão conhecer e compreender. Importa distinguir para perceber.
Se falamos do Leviatã (Hobbes), do bom selvagem (Rousseau), do imperativo categórico (Kant), do utilitarismo (de Bentham e Stuart Mill) e da necessidade de um contrato social, no qual a sociedade possa salvaguardar a defesa do bem comum no interesse de todos, importa ainda referir o que nos ensinou G. W. Leibniz (1646-1716) sobre a “razão suficiente”. Nenhum facto pode existir ou ser verdadeiro sem um motivo bastante ou suficiente. O filósofo alemão dá o exemplo da mula de Buridan – caso seja colocada diante de dois montes de feno iguais em tudo, ela poderia morrer de fome se não encontrasse nenhuma razão para escolher. Perante situações dilemáticas temos de escolher um dos caminhos, nem que seja a sorte. Nesse caso, a razão suficiente estaria no golpe de sorte, na moeda ao ar ou na decisão arbitrária. Tudo tem de ter uma explicação suficiente. Na Ética a razão suficiente deve ser animada por motivos ligados ao respeito mútuo e ao bem comum.
A relação entre a Ética e a política reporta-se à cidadania. Na antiguidade clássica, a cidadania era exclusiva, apenas se referia a alguns membros da cidade – as mulheres, as crianças, os vencidos, os escravos não tinham direto de cidadania. Nesse sentido excluía um número significativo de pessoas. Hoje a cidadania tende a ser inclusiva, designadamente nos direitos de participação – abrangendo todos. Só no século XX, por exemplo, as mulheres obtiveram direitos de cidadania. Ao considerar o fenómeno político, falamos de “polis”, cidade na língua grega, “civitas” na expressão latina. A sociedade democrática pressupõe a liberdade e a igualdade, a igualdade e a diferença. Daí a importância do entendimento da cidadania como tendencialmente inclusiva. Por que razão dizemos tendencialmente? Porque há ainda entraves e bloqueamentos, ditados pela imperfeição na concretização dos direitos fundamentais. Para garantir o respeito de todos e a concretização da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), de modo que todos os seres humanos nasçam e vivam livres e iguais em dignidade e direitos, é necessário que a Ética anime uma Moral civil aberta e plural, assente na dignidade de todos.
Na expressão da Professora Adela Cortina: como primeira providencia para manter os pilares básicos da democracia, deve garantir-se o império da lei, a separação de poderes e as eleições regulares, como marco do Estado Constitucional de Direito. Mas devem ainda fortalecer-se os pilares do Estado social de Direito, enquanto Estado de justiça que protege os direitos civis e políticos, mas também económicos, sociais e culturais. A democracia é uma forma de regime político, e não uma doutrina de salvação que pretenda absorver a vida toda, mas está obrigada, como sistema de valores, a assentar em bases de justiça.


