30 Boas Razões para Portugal

(VI) Menina e Moça, de Bernardim Ribeiro

Bernardim Ribeiro é um dos mistérios da nossa literatura. Pouco se sabe sobre ele, muito se especula, foi amigo de Francisco Sá de Miranda, mas o certo é que “Menina e Moça ou a novela Saudades” (Ferrara, 1554) é um verdadeiro símbolo da nossa tradição lírica, bucólica e romanesca… Assim começa: «Menina e moça me levaram de casa de minha mãe para muito longe. Que causa fosse então a daquela minha levada, era ainda pequena, não a soube. Agora não lhe ponho outra, senão que parece que já então havia de ser o que depois foi. Vivi ali tanto tempo quanto foi necessário para não poder viver em outra parte. Muito contente fui em aquela terra, mas, coitada de mim, que em breve espaço se mudou tudo aquilo que em longo tempo se buscou e para longo tempo se buscava. Grande desaventura foi a que me fez ser triste ou, per aventura, a que me fez ser leda. Depois que eu vi tantas cousas trocadas por outras, e o prazer feito mágoa maior, a tanta tristeza cheguei que mais me pesava do bem que tive, que do mal que tinha». Para Pina Martins, a história de “Menina e Moça” é apenas uma novela sentimental. «Há que lê-la e não subentende-la. Há que interpretá-la à luz das categorias do seu tempo e não do nosso…». O romance principia com o monólogo de uma jovem que não conhecemos nem nome nem condição, num processo que lembra as cantigas de amigo. A jovem queixa-se de uma dolorosa separação e de mudanças que a atiraram para o desterro de um monte solitário, onde está há dois anos. E conta o que ocorreu dias antes, estando numa solidão sem medida, viu a manhã formosa por entre os prados do vale, sentou-se debaixo de um freixo, à beira-rio, e não faltou muito que numa ramada viesse poisar um rouxinol. Cantou um triste trinado e caiu morto na corrente larga da água, que o arrastou para longe. Aproximou-se então uma mulher idosa e com ela a jovem encetou um diálogo em torno das desventuras de cada uma. E esta contou-lhe a desventura daquele lugar em que dois amigos acabaram mortos à traição, deixando as suas amadas à sua espera. E entra aqui a tradição dos relatos de amor cavalheiresco, na linha de Amadis de Gaula. Assim se conta a história do cavaleiro Lamentor, chegado de longes terras, acompanhado de duas irmãs, Belisa, dele grávida, e Aónia. Belisa dá à luz Arima, mas morre na sequência do parto. Num momento inesperado e trágico, Lamentor mata um cavaleiro que se dedicava a guardar uma ponte e chega um desconhecido, a que chamaremos Binmarder, que se apaixona por Aónia e pela sua extraordinária beleza. Temos, assim, três núcleos do enredo: Lamentor e Belisa, que são início do relato, Binmarder e Aónia; e Avalor e Arima… Os dois amigos que marcam a tragédia são Binmarder e Avalor e entre os dois há uma geração de permeio, que vai de Aónia a sua sobrinha Arima, órfã de Belisa. Aónia e Arima encontram destinos semelhantes; amam e são amadas por homens comprometidos anteriormente com Aquelísia e a Senhora Deserdada. Binmarder e Avalor estão condenados a viver o sofrimento da separação. Aquelísia ama Binmarder que ama Aónia, que por sua vez é obrigada a casar com um vizinho e a Senhora Deserdada ama Avalor que ama Arima. Encontramos, assim, um mundo de amores e desencontros – num romance que termina de modo inesperado com uma dama ultrajada nos seus desejos amorosos que pede ajuda a Avalor… O amor e o sofrimento estão, assim, sempre presentes. E é a saudade ou soydade que faz Lamentor ficar para sempre ligado à memória de Belisa, como Avalor à esperança de encontrar Arima. A saudade, como lembrança e desejo, surge como expressão do estado de sofrimento e de esperança, feitos de separação e ânsia de regresso, numa perspetiva religiosa e amorosa que Pina Martins considera cristã, e que Helder Macedo interpreta à luz da tradição judaica. Bernardim é, assim, um símbolo da tradição do amor saudoso que vem dos trovadores…

GOM

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