Mais 30 Boas Razões para Portugal

(IX) A «Nossa» Rosalia de Castro

Há dias, alguém perguntava neste diálogo sobre as coisas portuguesas, se, quando distinguíamos no idioma falado português três componentes, uma das quais galega, se o galego não é uma língua verdadeira e autónoma. Esclareçamos o caso em duas palavras: originalmente o português nasceu no noroeste peninsular, na Galiza, tomando a designação de galaico-português depois de Afonso Henriques. Foi tal idioma que o rei D. Dinis tornou língua oficial do reino de Portugal. Por razões históricas e políticas, a língua galega evoluiu no contexto de Espanha, sem perder, porém, o seu carácter próprio e a sua localização no ocidente peninsular. O português é, pois, o galaico-português moderno. Portanto, há três grupos na língua que se fala: o galego, o português setentrional e o centro-meridional sendo, pois, que há características próprias na Autonomia Galega em território de Espanha. A língua originou-se em território galego e desenvolveu-se para sul, havendo um movimento meridional ditado pela influência vocabular arábica. A língua-padrão do português é a centro-meridional – segundo o eixo Coimbra-Lisboa, em virtude da influência das Universidades mais antigas. Mas há um património comum.

Um dos símbolos da língua comum é Rosalia de Castro (1837-1885), nascida em Santiago de Compostela e falecida em Padrón, considerada a fundadora da literatura galega moderna. 17 de maio de 1863, data da publicação de “Cantares Gallegos” é o “Dia das Letras Galegas”. A obra constitui, aliás, o primeiro livro escrito em galego numa época em que a língua galega deixara de ser usada como idioma escrito e literário. Muitos poemas deste livro são glosas de cantigas populares, onde a autora procura ir ao encontro das tradições, também denunciando as dificuldades a que estava sujeito o seu povo. Oiçamo-la: “Así mo pediron / na beira do mar, / ó pé das ondiñas / que veñen y van. / Así mo pediron / na beira do rio / que corre antre as herbas / do campo frorido”. A relação galaico-portuguesa tem a virtualidade de superar a suspeita e a simplificação das diferenças ibéricas, de que falava Miguel de Unamuno, compreendendo a heterogeneidade histórica, entendendo que há caminhos diversos que pressupõem um património comum, cultural e linguístico, além de se inserir num mundo complexo das culturas múltiplas geradas nesta língua comum de peregrinos e trovadores. Lembramos Martim Codax, Afonso X, Meendinho, Curros Enriquez, Eduardo Pondal ou o Padre Feijó. Da poesia trovadoresca à contemporaneidade, galegos e portugueses temos um património imaterial comum – a alma e a língua. Oliveira Martins, em 1891, disse, aliás a Salvador Cabeza Léon: “o português não é outra coisa senão o galego que tomou caracteres próprios com a cultura principalmente quinhentista. Antes as duas falas não se distinguiam. Tenho aqui, sobre a mesa, as Cantigas de Santa Maria de Afonso o Sábio, na magnífica edição da Real Academia Espanhola, e comparando esse monumento com os cancioneiros e crónicas coevas de Portugal, vê-se a identidade da linguagem”.

«Divina Rosalía, Senhora da Saudade e da Melancolía», dizia Teixeira de Pascoaes. E temo-la a nosso favor. Os problemas começam quando se discute a originalidade da palavra saudade, «soledad», «mal de ausência», «melancolía». Cada autor defende denodadamente e com provas literárias ou documentais a sua teoria. O tema é difícil e tem de ser lido com cuidado, considerando expressões de outros idiomas, os suecos langtan y langter, o alemão Sehnsucht, o romeno dór e o galego morriña. Não há sentimento exclusivo galaico-português – há, sim, um encontro de raízes e culturas. “Ben sei que non hai nada / novo embaixo do ceo, / qu’antes outros pensaron / as cousas qu’ora eu penso. / E ben, para que escribo, / e ben porque assí semos / relox que repetimos / eternamente o mesmo”. 

GOM

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