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Helena Cidade Moura (1923-2012)

Celebramos o centenário do nascimento de Helena Cidade Moura, que foi Presidente do CNC em 1961.

Filha de Hernâni Cidade, nasceu em 27 de agosto de 1923 e faleceu a 20 de julho de 2012. Deputada à Assembleia da República, publicou edições críticas de Eça de Queiroz na edição dos Livros do Brasil. Pode dizer-se que foi, com Sophia de Mello Breyner e Helena Vaz da Silva, uma das mulheres que colocou o Centro Nacional de Cultura como importante referência cultural. Estamos a falar da convergência do inconformismo de Francisco Sousa Tavares, com a imaginação de Gonçalo Ribeiro Telles, com o ecologismo avant-la-lettre da revista “Cidade Nova”, mas também de Afonso Botelho, Delfim Santos, Gabriel Marcel e António Alçada Baptista, em nome do existencialismo cristão, ou do teatro da Casa da Comédia e do grupo Fernando Pessoa, que fez em 1962 a memorável tournée no Brasil, onde encontrou Manuel Bandeira, Drummond, Vinicius e Cecília Meireles. Lourdes de Castro, antes dos voos parisienses de KWY, aí fez a sua primeira exposição com José Escada. Reuniram-se no Centro os fundadores de “57”, José Marinho, Álvaro Ribeiro, Afonso Botelho, Orlando Vitorino e António Quadros, mas também esteve presente a «heterodoxia» de Eduardo Lourenço. A questão de Goa, as guerras de África, as crises académicas, o Concílio Vaticano II puseram o Centro no coração dos temas atuais e necessários. E foi em 1961 que se realizaram as célebres conferências de quinta-feira, sob impulso de Helena Cidade Moura, recém-eleita. A nova incansável presidente convida o Padre Manuel Antunes, Joel Serrão, Virgínia Rau, Vitorino Magalhães Godinho, Ruy Belo, Adérito Sedas Nunes, David Mourão-Ferreira, Luís Francisco Rebelo. Todos tornam-se membros ativos, mas sempre com a inefável e incómoda vigilância da PIDE.

É o momento da preparação de «O Tempo e o Modo» e de «Concilum» que se tornam projetos irmãos siameses decisivos. «Se a consciência for atenta e virtuosa, assim será o tempo e o modo» – dirá Pedro Tamen. Alberto Vaz da Silva e João Bénard da Costa apontam caminhos novos na crítica literária. De Agustina a Jorge de Sena há novos valores a considerar. Nasce a Resistência Cristã de Nuno de Bragança, José Pedro Pinto Leite e João Bénard da Costa. António Ramos Rosa e José Cardoso Pires também estavam presentes. Depois do fecho da Sociedade Portuguesa de Escritores, pela atribuição do prémio a Luandino Vieira, Sophia de Mello Breyner continua o Centro como lugar de resistência intelectual. «Perfeito é não quebrar / A imaginária linha // Exata é a recusa / E puro é o nojo». Depois virão os jovens universitários, que se tornam presença assídua – Jorge Sampaio, António Reis, Jaime Gama, José Luís Nunes, Eduardo Prado Coelho, Gastão Cruz, Fiama Hasse Pais Brandão, Nuno Júdice, Jorge Silva Melo, Luís Miguel Cintra. Com Francisco Lino Neto, realiza-se o 1º Encontro Nacional de Críticos de Arte. Contesta-se a guerra do Vietnam. José Manuel Galvão Teles preside ao Centro. É o marcelismo, sem ilusões. Jorge de Sena vem falar. Na Sociedade Nacional de Belas Artes organiza-se o ciclo “Lusitânia, Quo Vadis?”. Há cargas policiais e detenções. Há dirigentes presos e o debate democrático é vivo e intenso, com Sousa Tavares a regressar à presidência. «Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar» – diz Sophia numa vigília de cristãos na igreja de S. Domingos, e nada pode ficar como dantes. Em 1970, António Alçada Baptista e Nuno Teotónio Pereira trazem para o Centro a “Associação para a Liberdade da Cultura”, presidida por Pierre Emmanuel. Teotónio Pereira, Alçada Baptista, Cardoso Pires e João de Freitas Branco assumem rotativamente a presidência do CNC até 1974. João Bénard da Costa será o secretário de 1970 a 1974. Sucede José-Augusto França.

O certo é que a Comissão Nacional de Apoio aos Presos Políticos funciona no CNC… Um dia, Frei Bento Domingues é convocado para a PIDE e diz que na rua só conhece o Centro Nacional de Cultura. É a democracia que começa a passar por aqui. A liberdade de imprensa é defendida como essencial. Há cursos livres sobre temas proibidos, realizam-se os jornais falados. Uma sessão com José Afonso é proibida e acaba em carga policial.

E chega a democracia. Sophia escreve. «Esta é a madrugada que eu esperava / O dia inicial, inteiro e limpo, / Onde emergimos da noite e do silêncio / E livres habitamos a substância do tempo».

 O sonho da educação popular foi o grande projeto de Helena Cidade Moura. A grande aposta da formação comunitária. A ligação às pessoas concretas, ao povo desconhecido, mas protagonista da liberdade e da democracia. Eis o que estava em causa e Helena Cidade Moura multiplica-se em iniciativas e em ações de sensibilização. Nos últimos dias de sua vida, pediu insistentemente que não esquecêssemos essa experiência sublime. E não podemos deixar de pegar nesse testemunho extraordinário. De que temos de nos lembrar? Da cidadã empenhada e ativa; da pedagoga dos tempos novos; da personalidade fascinante sempre animada de mil projetos; da deputada com espírito mobilizador; da semeadora de ideias e iniciativas novas; da cultora de cidadania, em novos projetos de intervenção – como a Civitas; da continuadora de Chombart de Lawve (1913-1998), companheiro de Mounier em Uriage – com a essencial «La Vie Quotidienne des Familles Ouvrières». Quase até aos últimos dias guardou o entusiasmo do trabalho em comunidades de base. Quantos projetos? Quantas ideias? Não esqueço a sua amizade e os seus últimos pedidos: Não deixem esmorecer as ideias emancipadoras de uma educação para a liberdade!

Guilherme d’Oliveira Martins

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