Crónicas de Viagem - MYANMAR E TAILÂNDIA

Terra de pasmar – Crónica VI

Não se esquece facilmente Mrauk-U, Arracão, Frei Sebastião Manrique e o Bairro português. O regresso é marítimo até Sittwe, onde é tomado o meio aéreo fretado.

Agora anuncia-se a magia da velha cidade de Bagan ou Pagane, que os portugueses pouco conheceram, uma vez que quando por aqui passou Fernão Mendes Pinto há muito que se tinha apagado o brilho da cidade dourada, invadida na decadência pela floresta predadora. Não há outra possibilidade de aqui chegar neste momento, com os efeitos da monção, que não seja o precário transporte aéreo.

Continuamos no coração da antiga Birmânia. E depois de Arracão, que tanto diz aos portugueses, o grupo segue até Bagan, cidade situada a 150 quilómetros a sudoeste de Mandalay, que foi a antiga capital de um importante Império. A maioria dos seus edifícios, muito marcados pela arquitetura religiosa, corresponde ao período entre os séculos XI e XIII da nossa Era. Foi o tempo do Primeiro Império Birmanês. E logo no século IX d. C. há sinais da criação pelo povo birmano de uma cidade com vocação de poderoso centro político.
O rei Pyinbya transferiu então a Corte do seu reino para Bagan, deixando Tampawaddy (Pwasato). No entanto, só em 1057 o rei Anawrahta tornaria a cidade uma verdadeira capital (já que até então não havia o conceito moderno de capital de um reino; o que importava era saber onde estava o rei e a sua Corte). Com a ajuda dos monges budistas deu caráter dominante à leitura «teravada» da sua espiritualidade,  que persiste até aos nossos dias. Por outro lado, desenvolveu a escrita birmanesa, baseada nos carateres da cultura mon (povo da fronteira sul da Tailândia e de Mianmar e do delta do Irrawaiddy). Nos séculos XII e XIII, Bagan tornou-se um importante centro do budismo «teravada», com a presença de monges e estudantes da Índia, do Sri Lanka (Ceilão), além de tailandeses e de elementos do povo khmer.
Em 1287, o reino cairia sob o domínio dos mongóis de Kublai Khan, o que teve como consequência uma significativa perda de importância política, apesar de continuar a ter uma influência muito significativa no tocante ao budismo. Bagan tem cerca de dois mil pagodes, segundo os inventários mais credíveis, podendo no entanto o seu número chegar a três mil, dos treze mil que existiram nos tempos de glória da cidade.
Tratando-se de uma zona sísmica, encontramos sinais dos diferentes terramotos sofridos, com referência aos séculos XIII, XVII, XVIII, XIX e XX – registando a memória histórica sobretudo a reparação da cabeça de Buda, que teve de ser feita no final do século XIV.
Bagan é de uma beleza estonteante. Os viajantes que por lá passam insistem no facto de hoje ainda se poder adivinhar o que foi a magnífica cidade, de ouro, de pedras preciosas e de uma decoração cheia de fulgor, saída de bem fornecidas cornucópias cheias de preciosidades.

Podemos dizer que é uma verdadeira terra de pasmar, junto de um lago que dá um enquadramento sereno e belo. Dir-se-ia que a natureza luxuriante é completada pela arquitetura dos templos, com a sua originalidade e o encadeamento subtil de formas e luminosidades.

Milhares de stupas elevam-se ao céu e ao anoitecer a cidade aparece recortada na difusa luz do horizonte, como num verdadeiro conto das Mil e Uma Noites, entre o sonho e a realidade. Mas os técnicos da UNESCO continuam a duvidar dos critérios de restauro e preservação. Deambulando entre os templos, fica-se fascinado pela diversidade e pela imaginação dos desenhadores e arquitetos: Dhammayangyi é do século XII, como é Gawdapalin; Mahabodhi é do século XIII – mas há dos mais antigos, como o Shwerigon ou o Ananda, do século XI, sendo coevos da consolidação da grande capital. A lista é extraordinária – estes são, porventura os mais celebrados pela beleza das construções e pelo enquadramento paisagístico, que deixa os visitantes apaixonados, por tão inesperado encontro.
E há reminiscências da muralha da mais antiga cidade, como a célebre Porta Tharabar, que ficava na zona leste da cidadela do século IX, dos tempos do rei Pyinbya. É a única construção que resta desse tempo quase mágico. Segundo a lenda antiga, a porta é guardada por espíritos benfazejos: «o Senhor da Grande Montanha» e a sua irmã «Face Dourada». E o Hotel escolhido sob a invocação desses espíritos acolhe serenamente os viandantes à sombra da História e do mito…

Guilherme d’Oliveira Martins

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