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Eça de Queiroz no Panteão Nacional

Foi aprovada por unanimidade a decisão da Assembleia da República de transladação para o Panteão Nacional dos restos mortais de Eça de Queiroz.

Transcrevemos a intervenção de apresentação da proposta pelo deputado José Luís Carneiro, pela qual nos regozijamos, agradecendo a referência ao Centro Nacional de Cultura.

Intervenção pelo deputado José Luís Carneiro:

Senhor Dr. Afonso Reis Cabral, trineto de Eça de Queiroz e escritor. Em si cumprimento o Conselho de Administração da Fundação Eça de Queiroz e a sua família.

  1. A Assembleia da República apreciará e decidirá sobre o projeto de Resolução que visa conceder honras de Panteão Nacional a José Maria Eça de Queiroz.

  2. As honras de Panteão Nacional destinam-se a “homenagear e a perpetuar a memória dos cidadãos portugueses que”, entre outros feitos patrióticos, se tenham distinguido, nomeadamente, “na expansão da cultura portuguesa, na criação literária”, e “em prol da dignificação da pessoa humana (Lei n.º 28/2000, de 29 de Novembro);

  3. Ora, Eça de Queiroz é superiormente singular e um dos maiores vultos da literatura e da cultura nacional. Na função diplomática, defendeu com superior inteligência e com coragem a dignificação do ser humano;

  4. A decisão deste Parlamento constituirá um agradecimento à sua família que, em boa hora, decidiu legar o seu património material e imaterial à Fundação com o seu nome, sediada em Santa Cruz do Douro, no Concelho de Baião. Hoje é presidida pelo bisneto do escritor, Afonso Cabral.

  5. É justo e oportuno lembrar Manuel de Castro, seu neto, que presidiu à Câmara de Baião, e Maria da Graça Salema de Castro, promotora de um projeto de desenvolvimento, cujas sementes foram lançadas às terras daquela região no decénio de sessenta, com a sua amiga Teresa Avillez, como gostava de lembrar. Tantos aqui mereciam ser lembrados e reconhecidos pelo trabalho de edificação da Fundação, como Artur Carvalho Borges, Manuel Pereira Cardoso e tantas e tantos que, ao longo dos anos, ajudaram a nascer um dos mais importantes esteios do desenvolvimento regional e de afirmação nacional e internacional da língua e da cultura portuguesas;

  6. É um reconhecimento ao esforço abnegado de muitos que merecem, num breve futuro, o devido reconhecimento público. É o caso de Carlos Reis, membro do Conselho Cultural, que presidiu à Associação dos Amigos de Eça de Queiroz, cujo primeiro objetivo estatutário era o de “criar as condições para a instituição da Fundação”. Aos membros do Conselho Cultural, aos Grémios, Clubes e Círculos Literários e ao Centro Nacional de Cultura, na pessoa de Guilherme d’Oliveira Martins que promovem o seu legado cultural e literário;

  7. De reconhecimento ao apoio das autarquias de Baião, Amarante, Cinfães, Resende, Porto, Vila Nova de Gaia, Matosinhos, Póvoa de Varzim, Coimbra, Aveiro, Lisboa, Sintra e Évora;

  8. Aos que, tantos, no ministério da Cultura e noutras áreas, nos diferentes governos, desde Teresa Patrício Gouveia, Santana Lopes, Nunes Liberato e Isabel Pires de Lima, compreenderam a importância deste projeto cultural. Aos deputados de todos os partidos. Ao Instituto Camões e aos mecenas;

  9. É também uma homenagem ao povo e a uma região que ele tão eloquentemente soube enaltecer na sua correspondência, quando, em 29 de Maio de 1892, escreveu ao seu amigo Prado:

“Caríssimo Prado,

(…) Esta nossa terra é sem dúvida a obra-prima do grande paisagista que está nos céus. Que beleza! (…) Tudo canta. Cantam, trabalhando cavadores e ceifeiras (…)

Em toda a parte onde estive não vi um palmo de chão onde se pudesse assentar o pé sem perigo de esmagar uma semente. As flores silvestres não tendo já onde florir, procuram refúgio nos telhados…

                        (da Carta a Eduardo Prado, no seguimento de uma das estadias em Tormes, in: Eça de Queiroz, Correspondência, II Volume, INCM, 1983)Senhoras e senhores deputados,

10. Estaremos todos de acordo com os fundamentos literários e culturais expressos no Projeto de Resolução. Todos reconhecemos em Eça o brilho de um espírito livre, culto, humanista arguto que, com uma escrita de palavras límpidas, de conteúdo fino e de superior ironia, mostrou as contradições da vida em sociedade e fez luz sobre a tensão entre os mundos da paixão e os mundos da razão. Mostrou-nos ao espelho, enquanto seres humanos. Fortes e frágeis, feitos de luz e de sombra.

Com as suas personagens entrou na compreensão da natureza humana. Desse entendimento e da sua partilha a obra literária abriu-se ao mundo. Tornou-se universal. Trata-se mesmo de um escritor que é apreciado em todas as geografias do mundo. Conheci a sua casa em Paris. Lembro-me de ver no Real Gabinete de Leitura no Rio de Janeiro os seus manuscritos. Recordo-me bem do culto que lhe é prestado no café “La Columnata Egipciana”, na cidade de Havana, em cuja Universidade, em 2016, foi criada a Cátedra Eça de Queiroz.

11. Pela atualidade, destaco duas dimensões da sua mensagem presentes na obra literária e na atividade diplomática.

Primeiro, a mensagem sobre o desenvolvimento, presente no seu conto “Civilização”, editado primeiramente no Brasil e depois em Portugal, já com o título d’ “A Cidade e as Serras”. Para quem não leu, vale a pela ler. Para quem leu, vale a pena reler. O diálogo entre o urbano e cosmopolita Jacinto e o rural Zé Fernandes permite-nos, também hoje, como outrora, compreender mais profundamente a “fonte do tédio” que, não raras vezes, toma conta da dita “classe média alta”, e que ameaçou abalar os alicerces da crença no progresso moral e técnico da humanidade. O Jacinto d’ “A Cidade e as Serras” deixou para trás “as luzes de Paris”, declinou o determinismo e, chegado à “Quinta de Vila Nova”, em Santa Cruz do Douro, no romance rebatizada de “Quinta de Tormes”, perguntou ao Silvério, com profunda consciência social:

“- O que eu pergunto é se aqui em Tormes, na minha propriedade, dentro destes campos, que são meus, há gente que trabalhe para mim, e que tenha fome?

(…)

– Está mandado, Silvério. E também quero saber as rendas que paga essa gente, os contratos que existem, para os melhorar” (Capítulo X, “A Cidade e as Serras”).

Ainda hoje procuramos vencer as desigualdades. Continuamos a querer equilibrar o crescimento com o desenvolvimento humano sustentável. Ora, é possível encontrar neste romance toda uma tese sobre o modo como, enquanto indivíduos e como sociedade, vivemos numa tensão permanente entre as conquistas da técnica, que nos traz a sensação do poder sobre a natureza, por um lado, e, por outro, o sentimento do vazio e da impotência para fazer face às crises como aquela por que estamos a passar à escala mundial.

Mas, aprendamos com o idealismo de Jacinto e façamos com o realismo do Zé Fernandes as mudanças que se impõem fazer: primeiro, nas atitudes e nos comportamentos. Depois, nas obras que servem as pessoas com valores humanistas.

Segundo, a sua mensagem sobre o humanismo. A pedido do então ministro dos Negócios Estrangeiros, Andrade Corvo, Eça de Queiroz partiu para Havana. Com uma missão: proteger as minorias que, vindas da China e com escala no território português de Macau, eram submetidas a um regime de quase “escravatura” nas plantações de cana do açucar, porque embora com contratos de trabalho, os custos de habitação e alimentação, não lhes permitia o regresso ao seu território de origem. Isso mesmo está no relatório entregue ao ministro e que, em 1979, deu origem ao livro com o título “A Emigração como Força Civilizadora”, com prefácio de Raul Rêgo.

Numa altura em que Portugal assume a presidência da União Europeia, tendo por prioridade atualizar a Carta dos Direitos Sociais Fundamentais, lembrar o trabalho diplomático de Eça de Queiroz em Cuba na proteção das minorias, traduz a renovação da mensagem humanista, alicerçada no valor da igual dignidade de todo o ser humano.

Senhoras e senhores deputados,

Confiaram-me esta responsabilidade. Que aceitei!

Depois da abertura manifestada por todos os Grupos Parlamentares para que se avançasse com esta iniciativa, é o momento para mostrarmos o nosso apreço por Eça de Queiroz. E que esta responsabilidade passe a ser de tos nós!

Disse.

14 de Janeiro de 2021
José Luís Carneiro

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