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Duas Culturas: Uma dicotomia ultrapassada?

A terceira mesa-redonda, integrada no ciclo Diálogos Intergeracionais: à Conversa sobre Ciência, Cultura e Política Científica, aconteceu no CNC, no passado dia 12 de novembro.

Oradores:
– Carlos Catalão [Agência Ciência Viva]
– Alexandre Quintanilha [Assembleia da República]
– João Arriscado Nunes [CES/Universidade de Coimbra]
– Maria de Fátima Nunes [Universidade de Évora]

Moderação: 
Tiago Brandão [FCSH/UNL]

Quando C. P. Snow se referiu às Duas Culturas, na sua Rede Lecture, em 1959, estaria por certo longe de antecipar que a ideia continuasse, 60 anos depois, a inspirar a reflexão e o debate. As Duas Culturas deram o mote para esta mesa-redonda que reuniu, no CNC, um investigador em biologia, hoje deputado na Assembleia da República, um especialista em comunicação da ciência, um sociólogo e uma historiadora da ciência.

Carlos Catalão abriu o debate frisando que o tema das Duas Culturas se converteu num “clássico”. Na realidade, há mais do que apenas duas culturas, científica e literária. A ciência construiu-se com base na dicotomia entre natureza e cultura, observador e observado, “worlds” e “words” (Alan Turing), humano e máquina. Mas, observou, as ciências e inclusive a matemática vêm dedicando crescente atenção ao funcionamento da mente humana com a consequência de as fronteiras entre a máquina e o humano se diluírem. A computação está hoje também ao serviço das ciências sociais e humanas.

Alexandre Quintanilha propôs outras formas de aproximação entre as diversas ciências. Como se processa o conhecimento, como progride a ciência? Pela curiosidade (as perguntas), pela imaginação (as respostas), pela confrontação (evolução com o tempo), respondeu. Este processo é análogo nas ciências exatas e naturais e nas ciências sociais e humanas, ainda que divirjam as suas linguagens  e as suas aplicações. A propósito dos tempos críticos que vivemos, citou “How democracy ends”, de David Runciman (2018), autor que aponta a depreciação dos peritos e a celebração da ignorância como um dos desafios da atualidade.

Lembrando Snow e a sua crítica de uma educação de base predominantemente literária na Inglaterra dos anos 50, João Arriscado Nunes destacou a importância e a oportunidade desta mensagem e da superação da dicotomia entre as Duas Culturas, por maioria de razão numa sociedade altamente tecnológica confrontada com riscos para a sua própria sobrevivência. Mais do que nunca, torna-se crucial a integração e o diálogo entre as ciências e o papel das ciências da sociedade e do homem para uma melhor compreensão dos impactos da ação humana.

Maria de Fátima Nunes focou a sua palestra no caso do Laboratório de Fonética de Armando Lacerda como exemplo precoce da utilização das máquinas (gravador, entre outras) numa Faculdade de Letras. Mais um sinal da diluição das diferenças entre as “culturas de laboratório” das ciências e das “letras”, hoje convertidas, aliás, às “humanidades digitais”.  

Seguiu-se um animado debate com o auditório, que pôs em evidência uma preocupação quiçá inversa da expressa por C. P. Snow, ou seja, a de que cientistas e engenheiros sejam sensibilizados para o contexto e os impactos sociais da tecnologia, reforçando-se a sua formação em humanidades. A complexidade do mundo requer diálogos interdisciplinares, o que implica quebrar as barreiras entre faculdades e aprofundar as iniciativas de extensão universitária. Foi sublinhada a importância decisiva de uma educação que estimule a curiosidade científica, contrariando ao mesmo tempo o antropocentrismo e transformando “espelhos em janelas”.

Maria Eduarda Gonçalves e Tiago Brandão
20 nov. 2019

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