Reflexões

De 9 a 15 de Junho de 2003

Não esquecemos Yourcenar. Cem anos! 8 de Junho de 1903. Nasceu em Bruxelas, filha de pai francês e de mãe belga. Era Marguerite de Crayencourt, mas preferiu construir um anagrama com o seu nome. Assim se celebrizaria…

Não esquecemos Yourcenar. Cem anos! 8 de Junho de 1903. Nasceu em Bruxelas, filha de pai francês e de mãe belga. Era Marguerite de Crayencourt, mas preferiu construir um anagrama com o seu nome. Assim se celebrizaria. Cresceu em França, imersa em línguas e civilizações antigas. Foi no estrangeiro, para onde partiu depois da morte do pai, onde residirá e onde formará a sua extraordinária personalidade, que se afirmou em toda a sua maturidade. Itália, Suiça, Grécia e, por fim, Estados Unidos, onde morreu na costa nordeste em 1987. Foi a primeira mulher a ser recebida na Academia Francesa, em Janeiro de 1981. Desde “Alexis, ou o Tratado do Vão Combate”, Marguerite foi-nos sempre reservando uma obra de grande erudição, mestria, talento e intensidade. As “Memórias de Adriano” (1951) são uma obra-prima. “Um pé na erudição, outro na magia, ou, mais exactamente e sem metáfora, nesta magia simpática que consiste em nos transportarmos em pensamento ao interior de alguém”. Todos poderão verificar que Yourcenar joga sempre com o tempo, olhando-o pelo prisma do que permanece e da eternidade. “Contemplemos juntos, um instante ainda, as praias familiares, os objectos que certamente nunca mais veremo… Procuremos entrar na morte de olhos abertos…” – é assim que deixa partir Adriano. Helena Vaz da Silva disse dela, num texto que hoje nos sobressalta ainda: “Eu não conheci, reconheci Marguerite Yourcenar quando ela cá veio em 1980 a convite de “Raiz e Utopia” para uma Conferência pública na Gulbenkian. O Mega Ferreira é que sabia tudo dela em pormenor, eu tinha lido as “Memórias de Adriano” e pouco mais… (…) Ela sentiu, eu senti – estas coisas acontecem – que aquilo era um reencontro. Um reencontro de almas antigas. Ela sabe muito disso, eu sei menos mas acredito em quem sabe…” Que mais dizer? A partir daí Helena passou a ser uma espécie de tradutora oficial para a língua portuguesa, ou uma revisora, por ordem de Marguerite. “Sem que ela jamais me tivesse pedido expressamente”. Quando Marguerite morreu, era uma amiga próxima, e Helena estava mergulhada na tradução de “Souvenirs Pieux”. Yourcenar decidira “dar mais este passo”. Afinal, “morrer, para ela, não foi mais do que isso: continuar o caminho”. Longe do espírito do tempo, Marguerite procurava o tempo do espírito. A regra do jogo? “Aprender tudo, ler tudo, informar-se de tudo e, simultaneamente, adaptar ao fim que se quer atingir os Exercícios de Inácio de Loiola”… E por que motivo se interessou tão intensamente pelo século II? “Porque foi, durante muito tempo, o dos últimos homens livres. Pelo que nos diz respeito, estamos talvez já muito distantes desse tempo”. Yourcenar e Helena à conversa…

Guilherme d`Oliveira Martins

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