Reflexões

De 30 de Junho a 6 de Julho de 2003

Multiplicam-se os lugares para debate de ideias. Mas é preciso que, com tal multiplicação, haja ideias disponíveis para melhorar o mundo. …

Multiplicam-se os lugares para debate de ideias. Mas é preciso que, com
tal multiplicação, haja ideias disponíveis para melhorar
o mundo. Não no sentido de um universo supostamente perfeito – como
o “admirável mundo novo” de Aldous Huxley ou como a sociedade
disciplinada de “1984” de George Orwell – mas na acepção
de lugar onde as pessoas se possam sentir em casa. E esta ideia de as pessoas
se poderem sentir bem em casa – tem a ver com a dignidade, com a autonomia,
com a responsabilidade, com o respeito mútuo, com a entre-ajuda. João
Carlos Espada, no seu último livro, “Ensaios sobre a Liberdade”,
fala de uma “cultura da dignidade da pessoa humana” – e do facto
de, “entre os grandes equívocos herdados do século XX e, ao
que parece, agravados no início do século XXI”, se encontrar
“a ideia de que a liberdade se funda no relativismo dos valores morais”.
A verdade é que esse “equívoco” se exprime em dois argumentos
fundamentais: “o primeiro consiste em negar que exista uma crise de valores
nas sociedades contemporâneas em geral e na portuguesa em particular; o
segundo consiste em dizer que a defesa de valores substantivos, em particular
os valores do Cristianismo, é uma ameaça à liberdade e à
tolerância, uma espécie de visão nostálgica que conduz
necessariamente ao autoritarismo” (p. 25). O que nos diz, afinal, o autor?
Que é perigosa a confusão entre pluralismo e relativismo ético.
Herman Broch e Robert Musil falaram de “vazio de valores”, na decadência
vienense. Hoje como ontem, essa confusão alimenta uma crise ética
e de confiança de dimensão e consequências imprevisíveis.
Os meios prevalecem sobre os fins. As caças às bruxas substituem
o exercício nobre da justiça e o primado da lei. Falta uma hierarquia
de valores. E essa ausência abre caminho ao fanatismo de 11 de Setembro,
ao irracionalismo, à demagogia e aos fundamentalismos. A sociedade aberta
é o melhor antídoto. Poderemos viver sem valores ou sem referências?
Robert Putnam, nas suas investigações sobre o “capital social”
demonstra que as sociedades contemporâneas se têm fragilizado notoriamente
por ausência de factores de coesão, de cidadania activa, de pertença,
de confiança e de cooperação. Isaiah Berlin, Ralf Dahrendorf
e Karl Popper ensinam-nos que as tentações uniformizadoras são
perigosas e que o pluralismo não pode confundir-se com uma terra de ninguém.
Liberdade, igualdade e diferença são faces de uma mesma realidade.
Pondo de sobreaviso os navegadores apressados, o fundamental deste tempo, em que
as ideias se debatem livremente, é alertar contra o culto do vazio e contra
a indiferença e a facilidade… Eis o essencial. Há vários
caminhos para a verdade, mas a dignidade das pessoas, a lealdade, o respeito mútuo
não são transaccionáveis… Um mundo onde as pessoas
se sintam bem é um mundo em que todo o preço da vida vem das coisas
que não têm preço.
Guilherme d’Oliveira Martins

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