Reflexões

De 26 de Maio a 01 de Junho de 2003

No sábado que passou, no Hotel do Buçaco, depois de um dia glorioso na serra, Eduardo Lourenço foi homenageado pelo Centro Nacional de Cultura num jantar propositadamente familiar, sem pompa mas com a necessária circunstância. Durante esse encontro de amigos próximos do ensaísta o Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, nosso convidado, condecorou o sócio honorário do CNC com a Grã-Cruz de Santiago da Espada, a mais alta distinção no campo da Cultura…

No sábado que passou, no Hotel do Buçaco, depois de um dia glorioso na serra, Eduardo Lourenço foi homenageado pelo Centro Nacional de Cultura num jantar propositadamente familiar, sem pompa mas com a necessária circunstância. Durante esse encontro de amigos próximos do ensaísta o Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, nosso convidado, condecorou o sócio honorário do CNC com a Grã-Cruz de Santiago da Espada, a mais alta distinção no campo da Cultura. Foi um momento de afecto e de emoção que não esqueceremos. A lucidez de Eduardo disse-nos, porém, que mais importante do que as honras era a capacidade de continuar a compreender a realidade tão complicada que nos cerca… Quando morreu António Sérgio, Eduardo Lourenço publicou em “O Tempo e o Modo”, um ensaio simbólico, no qual partia do “mito cultural” e se libertava do magistério intelectual do autor do “Ensaios”. Lido à distância, percebemos que esse texto é, a um tempo, de aproximação e de ruptura. Assim mesmo já acontecera, aliás, por parte de Sérgio, em relação aos intelectuais de setenta. E, no entanto, todos fazem parte da mesma linhagem – não a de qualquer derrotismo, insista-se, mas a de uma atitude europeia e da exigência de uma mudança de atitude nacional relativamente ao presente – que o mesmo é dizer, em referência à história e ao futuro. Lourenço diz que Sérgio foi um utopista – sem sentido pejorativo. Usou a Razão como instrumento essencial. Mas, para o autor de O Labirinto da Saudade, “não basta nomear o irracional para o vencer, nem sequer o sonho”. Por isso, “o maior senão da filosofia de Sérgio” teria sido não o racionalismo, “mas a abstracção, isto é, o moralismo”. E, afinal, o Reino da Estupidez, que, na visão sergiana, seria o nosso, em bom rigor, não existiu. Em vez de “estúpidos”, teremos tido “gente fina de mais – em todos os sentidos do termo – que ainda dura”. Pelo que, no entender de E. Lourenço, necessitaríamos de nos colocar no ponto de mira da arma crítica de Sérgio – fazendo-nos estúpidos, para podermos compreender o estranho fenómeno do nosso atraso e da nossa incapacidade. Todos desejam, afinal, ser os únicos inventores da salvação pátria – esquecidos de que essa emancipação só poderá fazer-se com o trabalho continuado de várias gerações, mais preocupadas em unir as diferenças e em definir objectivos realistas e realizáveis, do que em promover vaidades e invejas – que é a verdadeira matéria prima do velho Reino da Estupidez. Fernando Pessoa ou Álvaro de Campos vem à nossa memória: “Somam-se-me os dias. Serei velho quando for. Mais nada”. Que mais dizer, afinal?

Guilherme d`Oliveira Martins

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