Reflexões

De 24 de Fevereiro a 2 de Março de 2003

Há sinais de crise. O mundo debate a tentação
de estabelecer uma desordem internacional. As economias e as sociedades
ressentem-se.A cultura procura não deixar enlear-se nas armadilhas do imediato,
sem esquecer a urgência do tempo que passa…

Há sinais de crise. O mundo debate a tentação
de estabelecer uma desordem internacional. As economias e as sociedades
ressentem-se. A cultura procura não deixar enlear-se nas armadilhas do imediato,
sem esquecer a urgência do tempo que passa. A grande tentação, entre nós, com
muitos séculos de paternalismo ancestral, continua a ser a da dependência do
Estado omnipresente e a das ilusões messiânicas? Mas o mundo não muda por
decreto, nem as sociedades se regeneram com crenças cíclicas, ora no fatalismo,
ora no milagre. Afinal, temos de responder com trabalho, com organização e com
persistência à pergunta sacramental – acreditamos em nós mesmos? Por aqui passa
o cerne de uma cultura emancipadora, baseada na liberdade, na responsabilidade e
na democracia, que não esqueça a história, as identidades e a força da
vontade. Eduardo Lourenço acaba de nos recordar que a onda que
varre as sociedades ocidentais não pode ser lida como antiamericana. Afinal, foi
a América cultural, por razões positivas e negativas, que formou as gerações que
exprimem – de um lado e do outro do Atlântico – a sua recusa a uma aventura
perigosa. Interpretação paradoxal? Aparentemente. A questão fundamental continua
a ser – como vamos combater eficazmente o terrorismo? De facto, não poderemos
conciliar com Saddam Hussein. Mas há que encontrar respostas para a gravíssima
crise israelo-palestiniana – e que não dar pretextos aos fundamentalismos
religiosos. E se há quem invoque a cedência de Chamberlain ao poder nazi em
Munique (1938), o certo é que então estava em causa um poder totalitário
expansionista descontrolado. Hoje as circunstâncias são totalmente diferentes. E
a tentação unilateral americana não clarifica o que quer no Oriente próximo e
não apresenta um plano de paz global para a região. Na História todas as
estratégias assentes no “depois se verá” sempre se revelaram muito perigosas?
Esta não parece ser excepção.  A ordem estabelecida
em 1945 morreu. Em 1989, a queda do muro de Berlim e o fim da guerra fria
lançaram um novo tempo, que não sabemos como será. A “estranha guerra”
enfraquecerá a posição moral americana. As opiniões públicas de um lado e do
outro do Atlântico já se aperceberam disso? Mas haverá ainda bom senso? O
terrorismo e os fundamentalismos poderão sair reforçados se prevalecer a
cegueira e se não houver uma partilha de responsabilidades para respeito do
Direito Internacional. 


Guilherme d´Oliveira
Martins


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