A Vida dos Livros

De 23 a 29 de outubro de 2017.

«Introduction à la Pensée Complexe» de Edgar Morin (Seuil, 2005) é uma síntese de ensaios da autoria de um dos pensadores mais fecundos da contemporaneidade, membro do Centro Nacional de Cultura e do seu Grande Conselho.

QUE REFLEXÃO SOBRE A COMPLEXIDADE?

A reflexão sobre a complexidade obriga a entender a célebre afirmação de Pascal: «considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, mas tenho por não menos impossível a possibilidade de conhecer o todo sem conhecer singularmente as partes». Há, assim, um vai-e-vem em que se funda a diligência de conhecer. E é esta preocupação que permite devermos articular o uno e o múltiplo, o próximo e o distante, a teoria e a experiência… De facto, a complexidade está no coração da relação entre o simples e o complexo porque uma tal relação é a um tempo antagónica e complementar. A ciência funda-se não só no consenso como no conflito. Ao mesmo tempo, evolui a partir de quatro colunas fundamentais: a racionalidade, o empirismo, a imaginação e a verificação. Sabemos que há um diferendo permanente entre o racionalismo e o empirismo. A crise do positivismo desenvolveu-se, aliás, a partir desse confronto. As novas descobertas empíricas e o experimentalismo foram pondo em causa, de diversas maneiras, as construções racionais – que permanentemente se reconstituem e reconstroem constantemente a partir de novos elementos e fatores. Mas a complexidade não é uma receita, e sim um apelo à civilização das ideias, Daí que tenhamos de compreender que a barbárie é um risco com que temos de lidar, inerente às sociedades humanas. A barbárie é o descontrolo e pode coexistir com o progresso, pela fragmentação das relações humanas e sociais. Para Edgar Morin, a razão é evolutiva, mas traz no seu seio o seu pior inimigo – a irracionalidade. M. Horkheimer, T. Adorno e H. Marcuse alertaram-nos para essa situação e para esse perigo, considerando a circunstância de o século XX, que se anunciava como um tempo de paz e de progresso ter-se revelado como o mais sangrento e trágico de sempre, no plano mundial. A razão pode, de facto, autodestruir-se por um processo interno, que tem a ver com a híper-racionalização como processo delirante. O delírio lógico, o delírio da coerência pode deixar de ser controlado pela realidade humana empírica. Eis por que temos de entender que a complexidade é um tecido de constituintes heterogéneos, inseparavelmente associados, que põem o paradoxo do uno e do múltiplo. Do mesmo modo, a desordem, a ambiguidade e a incerteza obrigam a uma especial atenção ao dilema permanente entre o ponto onde e como estamos e a interrogação sobre quem somos.

AS DIVERSAS DIMENSÕES DO CONHECIMENTO

A complexidade não conduz à eliminação da simplicidade – pelo contrário, integra em si tudo o que ordena, clarifica, precisa e distingue, no processo de conhecer. Também relativamente à complexidade e à completude, importa afirmar que não são confundíveis. Devemos falar, sim, do conhecimento multidimensional – que pressupõe a compreensão dos princípios da imperfeição, da incompletude e da incerteza. De facto, aspiramos a um saber não parcelar, não fechado, não redutor e ao reconhecimento dos limites, ou seja, do carácter incompleto de todo o conhecimento. Não podemos esquecer T. S. Elliot: «Qual o conhecimento que perdemos na informação e qual a sabedoria que perdemos no conhecimento?» Afinal, temos de corresponder ao desafio atualíssimo de transformar a informação em conhecimento. Se as novas tecnologias nos permitem avançar muito na recolha de informação, a verdade é que fica a faltar a ligação ao conhecimento. E neste ponto o grande desafio da humanidade respeita à aprendizagem – o que distingue o desenvolvimento do atraso não são as matérias-primas ou os recursos materiais, mas a capacidade de aprender mais e melhor. É o saber de experiências feito que deve ser lembrado e valorizado.

UM DIÁLOGO ABRANGENTE

«A complexidade considera o diálogo ordem / desordem / organização. Mas, por detrás da complexidade, a ordem e a desordem dissolvem-se, as distinções entre elas desvanecem-se. O mérito da complexidade está a denúncia da metafísica da ordem. Como dizia Whitehead, subjacente à ideia de ordem havia duas coisas: a ideia mágica de Pitágoras, segundo a qual os números são a realidade última, e a ideia religiosa, ainda presente em Descartes como em Newton, segundo a qual o entendimento divino é o fundamento da ordem do mundo. Ora, quando se retirou o entendimento divino e a magia dos números o que restou? As Leis? Uma mecânica cósmica autossuficiente? É essa a verdadeira realidade? É essa a verdadeira natureza? A essa ideia débil, (diz Edgar Morin), oponho a ideia de complexidade». Para Edgar Morin, «a gigantesca crise planetária é a crise da humanidade que não consegue aceder à humanidade». Duas barbáries coexistem e agem sem contemplações: a que vem da noite dos tempos e usa a violência; e a barbárie moderna e fria da hegemonia do quantitativo, da técnica e do lucro. Ambas levam-nos ao abismo. Contudo, importa entender o que Hölderlin nos ensinou: «onde cresce o perigo, cresce também o que salva». A globalização pode trazer-nos fatores positivos sobre o que pode unir a humanidade no sentido da paz. A consciência de uma Terra-Pátria é ainda marginal e disseminada. Edgar Morin propõe a ideia de metamorfose, improvável mas possível, como alternativa à desintegração provável. A natureza está cheia de exemplos de metamorfoses – a lagarta encerra-se na crisálida. A noção de metamorfose é mais rica que a de revolução, uma vez que preserva a radicalidade transformadora, ligando-a à conservação da vida e à herança das culturas. Sendo impossível travar a tendência que conduz aos desastres, devemos pensar que as grandes transformações começam com uma inovação, uma nova mensagem marginal, modesta, tantas vezes invisível… Será preciso, no fundo, ao mesmo tempo, mundializar e desmundializar, crescer e decrescer, desenvolver e envolver, conservar e transformar. As reformas políticas, económicas, educativas ou da vida só por si estarão votadas à insuficiência e ao fracasso.  

Guilherme d’Oliveira Martins

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