A Vida dos Livros

De 14 a 20 de agosto de 2017

Na preparação da viagem do CNC ao Vietnam e Camboja damos conta de ecos das fontes de Diogo do Couto, Tomé Pires e Francisco Rodrigues…

UMA CIVILIZAÇÃO ANTIGA

Chegou aos nossos dias, graças ao Professor Charles Boxer, um texto inédito de Diogo do Couto, onde este nos dá conta da descoberta pelo rei do Camboja, quando caçava elefantes, pelos mais espessos matos que havia em todo aquele reino, de uns edifícios magníficos que constituem as preciosidades de Angkor… Nesse texto, há um encontro emocionante de culturas, uma que se descobre a si mesma e outra que vem de longe em sua busca… Após a chegada à Índia, os portugueses cedo obtiveram informações sobre a Ásia, que antes não possuíam, compreendendo, por exemplo, que Malaca constituía o centro de atividade comercial do Índico e que o primeiro parceiro económico da região era a China. Quando os portugueses chegam às Molucas e a Cantão descobrem que a península de Sião tem maiores potencialidades do que se pensava inicialmente. Quer o «Roteiro» de Francisco Rodrigues, quer a «Suma Oriental» de Tomé Pires confirmam, porém, o relativo desinteresse pela Indochina por parte dos comerciantes por ausência de uma clara vantagem mercantil. Apesar de ser um entreposto dos chineses, Sião não vai ser considerado de início nos percursos comerciais relevantes para os portugueses. A ida de uma pequena esquadra à Baía da Cochinchina em 1523 deveu-se, assim, ao facto de se tratar de uma zona com forte influência chinesa. Fernão Peres de Andrade terá sido o primeiro a visitar a região em 1516. Duarte Coelho foi dos portugueses que mais vezes circulou junto à costa, tendo sido incumbido por Jorge de Albuquerque, Capitão de Malaca a ir explorar a enseada da Cochinchina, onde terá colocado um ou dois padrões e uma inscrição com seu nome na Ilha de Cham (Cu Lao Cham) datada de 1518, segundo informação de Fernão Mendes Pinto. Este descreve a referida costa com detalhe, incluindo dificuldades de navegação, sistema de ventos, correntes, paisagens, produções, comércio e o negócio do sal. Contudo, a instabilidade política na zona não permitirá a permanência de um contacto estável. Apesar de tudo, há algum investimento dos portugueses no estudo das rotas marítimas e da cartografia da região – o que permitirá o desenvolvimento do interesse pelas costas do Dai-Viet e o acesso dos primeiros missionários. O que acontece é que os portugueses passam a utilizar a Cochinchina para acesso ao relacionamento com o comércio das costas da China. E, deste modo, nos anos quarenta do século XVI, a Indochina torna-se, contudo, domínio da influência dos mercadores mercenários, aventureiros que agiam por sua conta, até porque a China tinha, de algum modo, renunciado a exercer o seu domínio na área. As receitas fiscais obtidas em Malaca e no comércio com a China tinham, porém, uma dimensão significativa, que tornava marginal a importância económica das trocas com a Indochina.

UM COMPLEXO JOGO DE XADREZ
Entretanto, os reinos de Champá e do Camboja procuram alianças que lhes proporcionem o renascimento político. Os Chams buscam apoio junto dos malaios, adversários dos portugueses, e os khmers do Camboja decidem-se, sob a influência dos nossos mercadores, a tomar contacto com Malaca e a reforçar as relações com as autoridades portuguesas (1550). A esta fase corresponde o reforço da iniciativa dos missionários. Gaspar da Cruz vai ao Camboja para pregar, mas os khmers vivem um momento de euforia, estando imbuídos pelos valores tradicionais e por um certo triunfalismo político – que afastará por um quarto de século a ação dos missionários católicos. Este contratempo religioso é, no entanto, compensado pela concessão feita pelos chineses do entreposto de Macau, que pemite o reforço do interesse político-económico relativamente à Indochina Meridional – já não na dependência de Malaca, mas na esfera chinesa, com a vantagem de não sofrer influência muçulmana. Apesar da conjuntura desfavorável, com perda de importância de Sião, conquista de Ayutuia pelos birmaneses (1569) e fechamento do Camboja às rotas do mar da China, os khmers vão jogar alternadamente, consoante as circunstâncias, com os mercadores chineses, portugueses, chams, japoneses e malaios. E uma nova oportunidade parece surgir quando em Dai-Viet surge a pretensão autonomista das províncias do sul, através do Senhorio de Nguyens. Com a crise dinástica portuguesa e a monarquia dual (1580), há uma convergência de interesses ibéricos, Manila precisa de apoio na Baixa Indochina e urge uma coordenação peninsular na política do Sueste Asiático. Momentaneamente, há uma aproximação com Sião contra a influência holandesa, mas falta aos portugueses apoio e autoridade políticos, prevalecendo apenas a lógica dos mercadores e mercenários. A pouco-e-pouco, as rivalidades dos clãs cambojanos tornam difícil o controlo da situação pelos portugueses – cabendo a Sião o domínio no Camboja. Errando estrategicamente, surdos aos apelos de Sião, os portugueses irão perder uma após outra as suas posições na Indochina, com declínio inexorável das trocas entre a Cochinchina e os portugueses de Macau.

UMA NOVA ATENÇÃO…
Depois do Édito de expulsão dos missionários do Japão (1614) e da saída compulsiva dos portugueses (1639), os jesuítas de Macau reorientam-se para a Indochina, com alguns cristãos japoneses. É o tempo das missões no Senhorio dos Nguyens (1615) e no Camboja (1616). O rei cambojano procura, assim, contrariar a influência siamesa. Os portugueses procuram aproveitar-se desta oportunidade, jogando com os conflitos locais no Champa e em Tonquim. Mas o peso crescente dos holandeses inquieta os tailandeses, o que os leva a virarem-se claramente para os portugueses, designadamente quanto ao armamento, em especial no aprovisionamento de canhões. Mas a presença portuguesa é limitada e reduzida a comerciantes sem poder económico. O isolamento japonês parece favorecer os portugueses, mas as condições económicas são muito precárias. E os holandeses não cessam de ganhar influência. Os missionários portugueses dão lugar aos franceses e à Propaganda Fide – e mesmo a influência de Macau perde-se, enquanto Malaca deixa de ser praça portuguesa (1641), e reduz-se drasticamente o peso dos portugueses no Camboja e no Senhorio dos Nguyens… É certo que até meados do século XVII a presença portuguesa na Indochina permanece, quase exclusivamente ligada a Macau; mas os mercadores e as comunidades mestiças asseguram uma influência limitada e assente no papel individual dos portugueses, com determinadas especialidades técnicas (por exemplo, quanto ao armamento), mas confundindo-se, paradoxalmente, com os holandeses. Apesar de tudo, o balanço do relacionamento entre os portugueses e os antepassados dos vietnamitas é positivo. A imagem dos portugueses era identificada com a expressão «casa da vinha» (Bò Dào Nha) – correspondente a um país que nunca declarou a guerra, que transmitiu novos conceitos e ensinamentos e que abriu bons negócios, tendo o Padre Francisco de Pina (1585?-1625) tido um papel pioneiro na divulgação e estudo da língua anamita, antecipando o célebre dicionário de Gaspar Amaral. Quando Marguerite Duras nos dá o seu «Indochina, meu Amor…» – vamos aos confins da história e compreendemos como as diferenças e os mistérios nos enriquecem!

 

Guilherme d’Oliveira Martins

 

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