Crónicas de Viagem - ÍNDIA

Índia, da costa do Coromandel à costa do Malabar – Crónica VI [6set2019]

O grupo do CNC voou de Chennay para Tuticurim em busca dos ecos da presença marcante de S. Francisco Xavier nestas paragens em 1542, quando batizou muitos gentios. A aldeia de Manapad invoca ainda hoje esse facto. Logo desde que saíram do aeroporto as pessoas notaram a presença dos templos cristãos, o que confirmou de pleno a importância destas reminiscências da presença portuguesa.

O objetivo primeiro da visita era a imponente Basílica de Nossa Senhora das Neves, muito alterada no século XIX, no mesmo local onde se invocaram os oragos de S. Pedro e de Nossa Senhora da Piedade nos tempos de S. Francisco Xavier. A igreja de Santo António tem nitidamente uma influência italiana, podendo afirmar-se que é mais Pádua do que Lisboa que aqui se invoca. E o grupo rumou à aventura, em busca de uma igreja de S. Tomé em Palayakail, mas o resultado da busca não foi muito profícuo, já que o grupo se deparou com um templo anglicano, sem grande interesse artístico. Mas ainda houve oportunidade para descoberta do templo de Nossa Senhora da Expectação, de reconstrução recente, mas apresentando reminiscências antigas (e o povo local recorda essa mesma palavra portuguesa) com a inesperada representação de uma embarcação tendo como piloto Jesus Cristo.

Tuticurim ocupou uma posição marginal nas estratégias urbanas do Estado da Índia, situando-se na Costa da pescaria e do comércio das pérolas, frente ao golfo de Manae. O seu desenvolvimento está intimamente ligado à comunidade de pescadores paravas, que tiveram aqui o seu local de armazenamento e exportação. “Distribuídos numa série de aldeias localizadas nas margens desta Costa da Pescaria (diz-nos Helder Carita no HPIP), os paravas converteram‐se ao cristianismo durante o reinado de D. João III a partir de um acordo do seu chefe supremo, tendo os jesuítas assumido a administração religiosa da comunidade. Até ao ano de 1560, o centro de atividades do comércio de pérolas concentrava‐se em Punaikayal (Punicale), onde os jesuítas construíram uma residência e um hospital. Após o ataque à comunidade, levado a cabo pelas tropas do naique de Madurai em 1560, a povoação perdeu importância e Tuticurim assumiu‐se, pelas condições do seu porto, como centro urbano da comunidade cristã de toda a região. Foi aqui que os jesuítas passaram a centrar a sua atividade e se instalaram, com residência e escola para os padres aprenderem tamil. No final do século XVI a igreja jesuíta de Nossa Senhora das Neves recebeu finalmente cobertura de telha e em 1598 terminaram as obras de duas capelas construídas de pedra e cal com cobertura abobadada. Em 1658 os holandeses ocupam Tuticurim sem resistência da gente, que, no entanto, incendiou os barcos que se encontravam no porto. Os holandeses iniciaram junto da população uma tentativa de recuperação da pesca e do comércio das pérolas, mas sem grande sucesso, dada a forte oposição dos paravas ao luteranismo e à sua proibição do culto dos santos. Tuticurim voltou a adquirir uma certa importância com a administração inglesa, embora como cidade de província, o que assegura a vivência urbana. Pela sua independência em relação à casa real (continua Helder Carita, no HPIP), Tuticurim não fez parte do conjunto de levantamentos das cidades e fortalezas portuguesas do Oriente. Porém, Philippus Baldeus integrou no seu livro uma interessante vista de Tuticurim, onde a cidade surge com um traçado ortogonal de grande regularidade. Com uma larga frente urbana sobre o porto e mar, estendem‐se paralelamente duas outras ruas cortadas por travessas. Duas igrejas, marcadas com cruzeiros tradicionais, organizam à sua frente duas praças de igual regularidade. O traçado representado por Baldeus é claramente reconhecível no núcleo antigo da cidade atual. Junto ao porto o tecido urbano mantém a mesma estrutura, com duas ruas principais que se desenvolvem paralelamente ao mar. Nas suas métricas, estas ruas apresentam medidas da ordem dos quarenta palmos. Numa relação de proporcionalidade, as travessas, perpendiculares ao mar, apresentam métricas muito aproximadas dos trinta palmos, formando todo o conjunto largos quarteirões retangulares cujo interior é ocupado por casas com acesso em beco. A Igreja de Nossa Senhora das Neves, pelo seu crescimento e transformação em grande basílica, ocupa hoje todo o antigo terreiro. Igualmente transformada, a Igreja de Santo António ocupa, como na planta de Baldeus, uma situação recuada em relação ao porto, com um quarteirão de permeio. Datáveis da década de 1570, as lógicas urbanas de Tuticurim parecem integrar‐se numa fase madura das experiências urbanísticas portuguesas no Oriente, como é o caso de Jaffna que, sendo na mesma região, poderá ter influenciado o traçado de Tuticurim». Saliente-se a lógica do traçado urbano de ruas, correndo paralelas ao mar, com travessas perpendiculares, mantida no desenvolvimento posterior da cidade. Pela sua situação de zona portuária, o edificado antigo foi profundamente transformado, não se mantendo a tradição portuguesa. Tuticurim é uma cidade simpática e acolhedora.

A Bárbara avança com a explicação possível de que a Senhora das Neves deve ter a ver com a produção de sal nesta região e dá conta da grande expectativa sobre a chegada à Lua da sonda Chandrayaan, de cujo desenlace ainda nada se sabe à hora que escrevemos…

Crónicas de Anísio Franco e Bárbara Assis Pacheco:

Consulte aqui o Programa desta viagem.

Apoio: Portal HPIP – Património de Influência Portuguesa

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