Crónicas de Viagem - ÍNDIA

Índia, da costa do Coromandel à costa do Malabar – Crónica XIII [13set2019]

Relatamos o último dia desta memorável epopeia. Partida em autocarro para Alleppey (backwaters), com visitas à Igreja de São Lourenço de Edacochim, Igreja de Santo André e Igreja de São Tomé, em Thumpoly. O grupo tomou assim contacto com o desenvolvimento da missionação católica, por franciscanos e jesuítas, para além do núcleo central de Cochim. E à medida que avançamos, descobrimos uma maior criatividade – que supera os cânones tradicionais.

Começando por S. Lourenço de Edacochim, segundo Helder Carita: «A Igreja projeta-se nas águas do Lago Vembanad e apresenta‐se como um interessante exemplo de integração entre arquitetura e paisagem no seu envolvimento por um terreiro pontuado por coqueiros onde se dispõem, em frente, o cruzeiro e, ao lado, a casa paroquial. Para além da importância de todo o conjunto, o programa e as linhas arquitetónicas da casa paroquial, aliados ao seu bom estado de conservação, fazem deste edifício um raro exemplo de arquitetura civil indo‐portuguesa do sul da Índia. Talvez pela sua situação, nos arredores de Cochim, o edifício apresenta um desenho invulgarmente clássico e erudito. Um friso de marcação do andar nobre corre a toda a largura do edifício, sobre uma arcaria interrompida por pilastras que se prolongam na guarda da varanda. Num processo de acomodação ao clima, observamos a formação de uma segunda varanda no tardoz do edifício, em estreita ligação com o seu núcleo interno, constituído por três grandes divisões. No caso de Edacochim, as duas varandas, da frente e das traseiras, unem‐se através de um terceiro espaço de varanda situado numa das faces laterais da casa. Dotada de uma sofisticada grelha de madeira, semelhante às gelosias portuguesas, esta varanda abre‐se sobre a paisagem e as águas da ria, usufruindo das suas brisas. Confirmando a formação recuada deste modelo, a ligação dos dois pisos efetua‐se por escada exterior, facto que, por análise comparada com outros casos, sugere a formação desta tipologia logo no século XVI. Com uma torre adossada à fachada principal, o desenho da igreja corresponde a uma tipologia primitiva de igrejas indo‐portuguesas, desenvolvida a partir do século XVI, que progressivamente vai integrando dados estéticos da cultura indiana. A sua antiguidade e importância como elemento marcante da imagem e estrutura do território são confirmadas no século XVII pelo facto de aparecer representada nas primeiras plantas holandesas da região de Cochim e Costa do Malabar. Na sequência da ocupação holandesa da região, a Igreja de São Lourenço sofreu grandes obras de renovação em 1709, durante o período do bispo Pedro Pacheco. Nos finais do século XIX, a igreja volta a sofrer novas renovações. As alterações, porém, não lhe retiraram o interesse arquitetónico. Marcada por uma fachada de cinco tramos, separados entre si por pares de colunas, mantém a torre com a significativa beleza das linhas arquitetónicas originais. Ao longo das fachadas laterais, as galerias, formadas de varandas assentes em pilares de alvenaria, constituem requintadas formas de ventilação e proteção solar ao interior do edifício. Em frente da igreja, o cruzeiro, de linhas clássicas com colunas toscanas e uma cobertura em cúpula, apresenta um interessante conjunto de nichos para a colocação de lâmpadas de iluminação».

Pouco depois, Anísio Franco confessa ter apanhado um grande susto ao ver um grande templo dedicado a Santo André e julgou, por momentos, que tivessem demolido a pequena igreja do século XVI. Afinal, tinha acabado de se ver o derrube da última parede de uma velha igreja dedicada a Santo Agostinho por uma terrível escavadora que deixou Bárbara justamente muito chocada…. Felizmente, Santo André foi alarme falso, porque Alfredo Perdigão, com a sua grande experiência de viajante, descobriu, por detrás do grande templo, o pequeno templo antigo, cuja história tem a ver com o que a seguir foi visto em Thumpoly… Mas a escavadora foi real e a destruição inexorável… Circunstâncias especiais que envolvem a construção da Igreja de São Tomé de Thumpoly explicam a sua monumentalidade, e têm a ver com a presença de Giacomo Fenicio como responsável do projeto.

O culto tradicional de S. Tomé liga-se aqui à Senhora dos Navegantes, este trazido por um comandante de um navio da rota do Cabo. Oiçamos Helder Carita, no HPIP, que temos seguido fielmente: Em 1584, Giacomo Fenicio foi nomeado responsável da Missão de Santo André, onde esta igreja se integrava. Este culto padre jesuíta foi professor de matemática e astronomia na corte do rei de Cochim. «O estabelecimento de relações de amizade e cooperação entre o rei de Cochim e a Missão jesuítica levaram a que em 1590 tenha sido autorizada a passagem da antiga igreja a um edifício de pedra e cal, iniciando‐se em 1602 a construção com grande solenidade, marcada pela presença do próprio rei de Cochim. Na estrutura da fachada da igreja, dividida por colunas adossadas, destacam‐se dois tramos em forma de torreões que reforçam a articulação com galerias laterais, servindo, a partir do andar térreo, de acesso à varanda do primeiro piso dessas galerias. Com dois pisos, esta galeria caracteriza‐se por uma estrutura de alvenaria, com arcos de volta perfeita e varanda dividida por fortes pilares. O seu desenho revela afinidades com os primeiros exemplos de fachada em galeria da arquitetura civil, onde a inspiração nos claustros de dois andares é mais evidente. Quanto às torres, hoje pouco salientes e alteradas nos remates superiores, são uma exceção à tipologia comum das igrejas indo‐portuguesas do sul da Índia, acentuando uma vez mais a atitude experimental de Giacomo Fenicio. A estrutura interior apresenta uma ampla nave, onde todo o enfoque é dado ao altar‐mor, cujo arco triunfal é ladeado por dois altares com retábulos. Ainda no interior da igreja, o tratamento dos alçados laterais revela um esquema decorativo em gesso, num gosto vincadamente arquitetónico. Se a igreja de Thumpoly, em sintonia com a grande maioria da arquitetura religiosa, sofreu alterações no desenho das janelas e portas, o rigor geométrico do seu programa arquitetónico, na cuidada articulação entre nave, galerias e fachada, permaneceu com a estrutura e conceção originais. A atestar este facto, o tardoz dos corpos torreados da fachada guarda uma antiga fenestração, em arco de volta perfeita, e um remate em frontão clássico, encimado por pináculo em bola de canhão, típicos da arquitetura portuguesa, que nos permitem avaliar o primitivo desenho da igreja, no século XVII. Ao definir‐se como uma igreja de cinco tramos com galerias ao longo dos alçados laterais concebida nos inícios do século XVII, São Tomé de Thumpoly permite‐nos estabelecer um primeiro marco essencial para o estudo da evolução desta tipologia de igreja, particularmente interessante na história da arquitetura indo‐portuguesa…».

E o “grand finale” nas “backwaters” deu-se no inesperado templo de Chapakulam. Houve uma cena de teatro barroco, com um pano de cena vermelho a abrir-se para revelar um altar-mor cheio de cor e movimento. A igreja está completa, os retábulos estão no sítio certo, também as imagens, o colorido esfusiante, o teto pintado numa policromia singularíssima de origem vegetal… O púlpito é típico destas igrejas do Kerala, com uma bacia é sustentada por um dragão resplandecente com uma língua de serpente exuberante… A fantasia oriental misturada com a cultura ocidental, dos quatro evangelistas, Mateus, Marcos, Lucas e João…

O passeio nas backwaters foi absolutamente revelador do Kerala profundo em toda a sua riqueza – as bandeiras amarelas de um guru de fama duvidosa, as abluções, as motos, as procissões, os funerais… A água de coco, os peixinhos inconfundíveis, que são iguarias inigualáveis… E assim chegou ao seu termo esta viagem única, com o Rui Baptista eleito ontem como o mais simpático, numa renhida votação e com os desenhos dos óscares da Bárbara a obterem um extraordinário sucesso…  

Crónicas de Anísio Franco e Bárbara Assis Pacheco:

Consulte aqui o Programa desta viagem.

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