Crónicas de Viagem - ÍNDIA

Índia, da costa do Coromandel à costa do Malabar – Crónica XI [11set2019]

Cento e sessenta e dois anos de presença portuguesa em Cochim merecem referência especial. Muitas influências são sentidas – por exemplo, nas palavras portuguesas de uso quotidiano que aqui se falam (mesa, cadeira, porta, janela…). A cidade tem uma estrutura muito portuguesa, a memória de Vasco da Gama, que aqui morreu, está muito presente, na igreja que foi de Santo António e hoje de S. Francisco, onde esteve o seu túmulo, até que foi transladado para Portugal.

A igreja de Nossa Senhora da Vida invoca o milagre do cruzeiro, que segundo a tradição não foi derrubada, apesar da tentativa nesse sentido de um grupo numeroso de holandeses… Seguiram-se visitas ao palácio de Mattancherry, inicialmente português e depois adaptado pelos holandeses, com arte hindu representativa das narrativas tradicionais; à judiaria, que hoje é o grande centro do comércio tradicional da cidade; à Sinagoga, onde se notam apontamentos indo-portugueses; e à igreja de S. Jorge, com uma decoração maneirista, que marca o sincretismo religioso e artístico do Malabar. A Bárbara voltou a entusiasmar-se com a descrição do dia de Onam, feriado, por isso o comércio estava fechado e as pessoas passeavam com vestimentas muito vistosas, como explicou ontem, pormenorizadamente. O Albert, imprescindível guia, indicou o lugar da sua casa, e explicou ser feita de materiais tradicionais recuperados, um teto holandês, janelas de uma casa antiga, portas de uma igreja… Falou-nos de um antigo grupo de rock e das plantas que cultiva.  

Oiçamos Walter Rossa sobre Cochim, bem nossa conhecida, no HPIP:
Estamos no «primeiro posto português no Oriente bem sucedido (1503). A feitoria portuguesa, ali instalada em finais de 1500 – em casas para tal cedidas pelo samorim no âmbito de um acordo dificilmente logrado por Pedro Álvares Cabral – desde logo foi boicotada através da recusa em fornecer‐lhe especiarias e, depois, atacada e arrasada numa ação de que resultou a morte do feitor e de muitos dos seus homens, entre os quais o célebre Pêro Vaz de Caminha. (…) Sob a ação imediata de Pedro Álvares Cabral, os portugueses voltaram‐se desde logo e definitivamente para um súbdito, Una Goda Varma Koil Tirumulpad, rajá de Cochim, porto rival de Calecute, cidade situada a cerca de uma centena e meia de quilómetros a sul, em plena Costa do Malabar, capital de um pequeno território. Já no dobrar de 1500 para 1501, chegado precisamente de Calecute, Pedro Álvares Cabral encontrou ali um excelente acolhimento. O soberano local jogava forte para se libertar da suserania de Calecute, no que foi seguido por outros como o de Cananor e Coulão. (…) No território do então reino de Cochim há um conjunto e extensão consideráveis de ilhéus e canais interiores – as backwaters – onde ainda hoje a navegação é mais fácil que os percursos por terra. Esse meio aquático é sazonalmente invadido pelas águas das enxurradas da monção, as quais ali se fundem com o mar que enchem dos detritos vegetais das montanhas, os Gates. (…) Não tivesse ocorrido a oposição do samorim de Calecute e talvez nunca os portugueses tivessem erguido as estruturas urbanas e edificadas que ergueram no Malabar, ou mesmo instalado um tão grande número de efetivos. Só na área mais a poente, já sobre o mar e por tudo isso decerto a ocupada mais tardiamente, se encontrava uma morfologia urbana denunciando um planeamento prévio, um “caseamento” similar ao que já há muito em Portugal e um pouco por toda a Europa se produzia nas “vilas novas”, mais do que regular, claramente regulado. Por ali se instalaram os franciscanos, os jesuítas, e os dominicanos. Em 1530, o centro político passou de Cochim para Goa, o que não teve um impacto na cidade tão grande quanto à primeira vista poderá parecer. (…) Para além do mais, além de irem a Goa, as naus da Carreira da Índia continuaram a frequentar a cidade, bem como quase todo o tráfego que do Extremo Oriente (Malaca) rumava a Goa. (…) Significativamente, em 1557, os portugueses ofereceram ao rei de Cochim um palácio construído de raiz no meio da sua capital. É hoje conhecido como Dutch Palace ou Mattancherry Palace, pois os holandeses alteraram-no significativamente, não sendo claro se o essencial do seu partido arquitetónico – dois pisos e um pátio central onde foi implantado um templo hindu – é de matriz portuguesa. (…) O património de origem portuguesa em Cochim é claramente urbanístico, por isso imaterial, mas muito expressivo da história da primeira sede da presença portuguesa no Oriente. Por solicitação do bispo, a Fundação Calouste Gulbenkian financiou a construção de um edifício nos jardins do Paço Episcopal expressamente projetado para albergar o Museu Indo‐Português.

Crónicas de Anísio Franco e Bárbara Assis Pacheco:

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