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A VIDA DOS LIVROS

Fernando Bento (1910-1996) é um dos autores portugueses de Banda Desenhada (BD) de maior relevância, ao lado de Eduardo Teixeira Coelho, e mais recentemente de José Garcês ou de José Ruy. O CNC homenageou-o há uma semana e o artista merece referência especial, por ocasião do seu centenário do nascimento, que suscitou a recente publicação de «E Tudo Fernando Bento Sonhou» da autoria de João Paulo Paiva Boléo (C. M. Amadora, 2010), repositório fundamental sobre uma obra da maior importância.

A VIDA DOS LIVROS
e 4 a 10 de Abril 2011


Fernando Bento (1910-1996) é um dos autores portugueses de Banda Desenhada (BD) de maior relevância, ao lado de Eduardo Teixeira Coelho, e mais recentemente de José Garcês ou de José Ruy. O CNC homenageou-o há uma semana e o artista merece referência especial, por ocasião do seu centenário do nascimento, que suscitou a recente publicação de «E Tudo Fernando Bento Sonhou» da autoria de João Paulo Paiva Boléo (C. M. Amadora, 2010), repositório fundamental sobre uma obra da maior importância.



UM PROLÍFERO DESENHADOR
Segundo João Paulo Paiva Boléo – que nos deu o gosto de estar no Centro num fim de tarde chuvoso de Março, com Geraldes Lino e José Ruy, na presença de Arlete Bento e de outros familiares de Fernando Bento – se é certo que a figura portuguesa da BD que, «conjugando o traço e o prestígio internacional», teve maior destaque foi Eduardo Teixeira Coelho, autor sobretudo ligado a “O Mosquito”, e com um importante percurso europeu na revista “Vaillant”, a verdade é que «com uma carreira praticamente só nacional – embora algumas histórias tenham sido editadas na Bélgica, numa publicação flamenga e também em Espanha – o mais original, aquele que no seu melhor (e foi muito) mais representou a essência dinâmica da BD, foi Fernando Bento». Trata-se de um síntese perfeita que retrata bem o que este autor representa no panorama da BD. Concordo absolutamente com o que afirma João Paiva Boléo. O traço de Fernando Bento é inconfundível, demonstrando uma grande segurança e um enorme talento e originalidade. Nas duas pranchas publicadas no “Cavaleiro Andante” que, a título de exemplo, hoje apresentamos, de «Moby Dick» (1960), obra que, com «Beau Geste» (1952), é uma das obras-primas do mestre, facilmente nos apercebermos de uma extraordinária capacidade para transmitir a força do movimento, como demonstração de vitalidade e sentido artístico. É esta qualidade que merece o reconhecimento dos melhores especialistas, colocando Fernando Bento ao nível do melhor que tem sido feito na BD. Verifica-se um grande cuidado no entrosamento entre a narrativa escrita e a ilustração, já que ambas apenas podem funcionar se se ligarem, havendo extremo cuidado na apresentação dos textos e uma muito correcta e equilibrada utilização dos balões para os diálogos. O facto de o autor ter sido um prolífero adaptador de textos clássicos (desde obras de Júlio Verne às de Conan Doyle) permite-nos dizer que as suas qualidades são especialmente evidentes, já que mostra um assinalável espírito de síntese, com a consideração do essencial e a sensibilidade extraordinária para nos dar em imagens o relato minucioso e riquíssimo dos acontecimentos da narrativa. Aqui notam-se, aliás, as ligações muito intensas existentes desde sempre entre a BD, o teatro e o cinema, que Fernando Bento muito bem conhecia e bem compreendeu. E se referimos a dimensão culta da obra, que é de primeira qualidade, devemos ainda aludir à criação humorística do desenhador e do ilustrador, também denotadora de grande qualidade gráfica e dinamismo representativo – virtudes evidentes nas suas caricaturas e nos episódios para crianças, publicados, por exemplo, em “O Pajem” do “Cavaleiro Andante”, que reproduzimos acima num dos apontamentos protagonizados pelo próprio autor e pelos seus filhos Anita e Filipim.


MUNDO DA AVENTURA E DA LITERATURA
Voltando a João P. Paiva Boléo, deve reconhecer-se que Fernando Bento é «um dos maiores autores, um dos maiores desenhadores da BD portuguesa». «Marcou o imaginário de milhares de leitores, fê-los sonhar, fê-los descobrir mundos “da terra á lua”, histórias de emoção e de coragem… Em síntese, abriu-lhes (abriu-nos) em simultâneo o mundo da aventura e o mundo da literatura». Este ponto é particularmente importante, uma vez que, ao contrário das resistências de alguns pedagogos até à primeira metade do século passado, a BD possui nos dias de hoje importantes virtualidades para a aprendizagem na escola, quer no domínio da literatura, quer na iniciação às artes e às ciências. O requisito fundamental que importa respeitar é a qualidade gráfica, literária e de conteúdo, que deve ser servida por uma grande exigência e o maior respeito pela língua e pela qualidade da expressão artística. De facto, a leitura de BD de qualidade permite incentivar o contacto com a literatura e a vida, com os saberes e as artes. Fernando Bento considerava-se essencialmente um caricaturista. Hoje, porém, analisada a sua obra, temos de reconhecer que apesar da sua qualidade nesse domínio, é na BD que se destaca. E quando se pergunta se Bento tem lugar na Arte e na Cultura portuguesas, temos de responder afirmativamente, sem dúvidas. A BD não é uma arte menor, é uma expressão artística (especialmente valorizada depois do modernismo) e, por isso, os seus cultores têm de ser reconhecidos pela sua qualidade, sem outras comparações. O futuro confirmá-lo-á com clareza. Daí que Fernando Bento tenha de ser apreciado pelo modo como se destacou na expressão da sua arte.


UM CAMINHO MULTIFACETADO
Depois do trabalho na secção infantil do jornal “República” e em paralelo com a colaboração no “Pim Pam Pum” de “O Século” (1941-1959), vai ser no “Diabrete (1941-1951) de Adolfo Simões Müller que Bento se vai afirmar, como responsável gráfico da revista, atingindo aí a sua maturidade artística. Assinale-se no “Diabrete” a publicação das adaptações de Júlio Verne (1942-48), as “Mais Belas Histórias do Mundo das Crianças” ou as figuras da História de Portugal. Discute-se, por vezes, se Fernando Bento terá sido um autor mais relevante no género sério ou no cómico. António Dias de Deus prefere o segundo ao primeiro, João Paiva Boléo talvez hesite. Pessoalmente, considero que é no registo mais sério que a qualidade de Fernando Bento melhor se afirma. Aí é mais completo. Estamos, aliás, perante uma riquíssima síntese onde o traço inconfundível do artista nunca esquece a ironia e o movimento. Quanto à autoria das adaptações, apesar de persistir alguma dúvida e mistério, parece ser Adolfo Simões Müller o grande artífice com o apoio de Maria Amélia Bárcia, omnipresente secretária da redacção. Depois do “Diabrete”, o “Cavaleiro Andante” (1952-1962) é o projecto mais importante de Fernando Bento, cabendo-lhe a feitura da imagem de marca e estando aí publicadas as suas obras-primas – “Beau Geste” (1952), “Emílio e os Detectives” (1957-58), “A Liga dos Ruivos” (1958) e “Moby Dick” (1960). As adaptações dos clássicos parecem ser claramente iniciativa de Müller que, como pedagogo, pretende valorizar o projecto cultural e educativo das suas revistas. Note-se que às obras do director do “Cavaleiro Andante” na colecção “Gente Grande para Gente Pequena” está também associado o ilustrador Fernando Bento. A obra do artista apresenta um percurso seguro, sendo que a sua maior virtualidade está no talento de unir permanentemente o movimento e a ironia, a versatilidade e o realismo. O estilo é inconfundível e não imitável, percebendo-se que o caricaturista está sempre presente. João Paiva Boléo escreve sobre Fernando Bento com o rigor que lhe conhecemos e traça-nos um perfil em que o seu valor e a sua originalidade surgem claramente evidenciados. A obra, apesar das limitações compreensíveis, é um instrumento muito importante para os cultores e estudiosos da BD portuguesa.




 

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