A Vida dos Livros

A Língua Portuguesa como Ativo Global

«A Língua Portuguesa como Ativo Global» (Imprensa Nacional, 2020, com o apoio de Camões – Instituto da Cooperação e da Língua), da autoria de Luís Reto (coordenação), Nuno Crespo, Rita Espanha, José Esperança e Fábio Valentim é uma obra da maior utilidade para a compreensão da importância atual da língua portuguesa no mundo.

LÍNGUA COMO VALOR GLOBAL

“A importância estratégica da língua portuguesa para Portugal e para os restantes países da CPLP está longe de ser plenamente assumida nas políticas públicas do nosso país e também dos restantes Estados que integram a nossa comunidade linguística. Das cerca de 7000 línguas faladas no nosso planeta raras são aquelas que integram o grupo de línguas que podemos considerar globais, como é o caso do português”. O tema é de uma significativa relevância nos dias que correm e a publicação na coleção “Essencial” da Imprensa Nacional de A Língua Portuguesa como Ativo Global (2020, com o apoio de Camões – Instituto da Cooperação e da Língua), da autoria de Luís Reto (coordenação), Nuno Crespo, Rita Espanha, José Esperança e Fábio Valentim constitui uma oportunidade para que o cidadão comum se possa aperceber das implicações de um tema com uma projeção presente e futura iniludível. Por um lado, a obra procede a uma análise geral das questões históricas, estratégicas e económicas da língua e, por outro, apresenta os resultados de um estudo comparado de 110 línguas, com atenção à língua portuguesa, na comparação relativa a critérios de número de falantes, impacto global e potencial. Trata-se de um trabalho em progresso, da maior relevância, que continuará a ser aprofundado, quer pela recolha de mais indicadores, que pela análise mais detalhada dos dados recolhidos. Finalmente, trata da presença da língua portuguesa no mundo, com dados atualizados da rede instituições do Camões, da rede Brasil Cultural e do IILP – Instituto Internacional de Língua Portuguesa, contendo dados qualitativos sobre perceções dos estudantes de português do Camões, recolhidos ao longo dos últimos anos. Não podemos entender o capital humano, enquanto fator de coesão, de identidade, de equidade e de eficiência sem falarmos das competências linguísticas, que correspondem a três requisitos fundamentais: a incorporação na pessoa, a partir da integração familiar e comunitária; a produtividade no mercado de trabalho e o consumo; e o investimento em tempo e dinheiro para quem precisa de adquirir conhecimento que não possui para a sua atividade, em especial para os imigrantes. O tema da mobilidade está na ordem do dia nas sociedades modernas, obrigando para os trabalhos qualificados um domínio correto da língua de trabalho, indispensável para que haja comunicabilidade, eficácia, qualidade e, em última análise, boa avaliação e reconhecimento. A globalização reforçou o papel das línguas de comunicação internacional e facilitou a sua expansão e aprendizagem. E no domínio da língua a qualidade é transversal, abrangendo, no multilinguismo, o bom domínio da língua materna e a capacidade de aprender mais do que uma língua estrangeira, para uma melhor compreensão da realidade e da vida. Mas há ainda o grande problema das barreiras linguísticas na ciência, para o qual não há soluções. Se os falantes do inglês pensam que toda a informação importante está disponível em inglês, a verdade é que assim não é – o que exige para o progresso do saber a capacidade de comunicar com experiências e tradições diferentes.   

A ORDENAÇÃO DAS LÍNGUAS GLOBAIS

Quando se trata de procurar uma ordenação das línguas globais não estamos perante uma tarefa fácil pela variedade de critérios e dimensões a considerar e por falta de bases de dados com informação comparável para 100 línguas. Todavia, há algumas conclusões que podem ser referidas. Considerando a ordenação por falantes e por impacto global, encontramos um primeiro grupo de línguas fortes no número de falantes, na economia e na influência global – o mandarim, o inglês, o espanhol e o árabe – a que podemos acrescentar ainda o francês, apesar do reduzido número de falantes de primeira língua. Há ainda um segundo grupo de línguas de natureza mais local, mas com um número grande de falantes: o hindi, o punjabi e o bengalês. Noutros casos, a importância económica sobreleva o número de falantes – como o russo, o japonês e o alemão. A situação da língua portuguesa corresponde a uma posição atípica: está presente em todas as ordenações, em 6º ou 7º lugar, com debilidades na economia e nos falantes e com pontos fortes nos falantes maternos, nos recursos naturais e na presença global.

A DIVERSIDADE DA LÍNGUA PORTUGUESA

Do que se trata neste pequeno livro, claro e acessível, com diversas pistas para aprofundar uma questão crucial para as culturas da língua portuguesa, é de compreender como evoluímos na formação, apogeu, declínio e renascimento da língua portuguesa. De facto, estamos perante um caso pouco comum – de uma língua nascida fora do território de Portugal, sujeita a muitas vicissitudes e contrariedades, mas que se pôde impor entre as dez línguas mundiais mais importantes, qualquer que seja o critério que usemos na seriação dos idiomas globais. Se pensarmos na evolução da vizinha Espanha, com uma população quase sete vezes a portuguesa no século XVI, ninguém poderia prever os números a que chegaram os falantes da nossa língua no mundo. Mas há fragilidades a apontar: como o reduzido peso económico de uma parte importante dos membros da CPLP, com Angola e Moçambique abaixo do seu potencial; um certo marcar passo no desenvolvimento do Brasil; e os efeitos das últimas crises na economia portuguesa. Assim o “valor de mercado” da língua tem sofrido uma certa estagnação, com consequência na atratividade no comércio internacional e na falta de investimento de larga escala, quer interna quer externamente, no tocante à formação, aos materiais didáticos e aos vocabulários técnicos, além das necessidades na produção e divulgação de conhecimento científico, bem como das exigências no domínio das indústrias culturais criativas. Importa, por isso, compreender a importância do alargamento do número falantes de português como segunda língua e a necessidade de recursos a investir na qualidade da comunicação nas diferentes culturas da língua portuguesa. Contudo, as forças podem superar as fraquezas, desde que haja cooperação reforçada de qualidade. O conjunto dos países da CPLP detém um potencial significativo de recursos naturais face às populações – considerando plataformas marítimas, riqueza agrícola, reservas de água doce e recursos energéticos, capazes de preencher os requisitos de um Novo Contrato Ecológico. A articulação entre o Brasil e Portugal, nem sempre fácil, revela-se indispensável em benefício de todos e sem tentações hegemónicas ou de prevalência. Uma língua que detém a 6ª ou a 7ª posição mundial em falantes maternos e que duplicará o número atual até ao fim do século tem de investir com ambição, não cuidando apenas da língua como referência das diásporas, língua de herança ou de cultura. Torna-se necessária uma efetiva articulação estratégica no conjunto da CPLP, cooperação internacional realista e sem complexos e uma melhor compreensão das vantagens competitivas da comunicabilidade, no contexto do multilinguismo – eis o que tem de ser considerado num mundo que precisa cada vez mais de ligar as especificidades e as complementaridades, com entendimento da diversidade e da complexidade.

Guilherme d’Oliveira Martins

Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença

  

Subscreva a nossa newsletter