Existe a tentação de ceder ao absolutismo ou ao relativismo ético. No absolutismo ético pretende-se impor unilateralmente uma determinada visão e hierarquia de valores. No relativismo ético prevalece a indiferença em relação a uma hierarquia de valores – tudo poderia valer… Ao invés importa assumir uma perspetiva de Ética dialógica assente da noção de pluralismo, que não se confunde com o relativismo ou a indiferença. Não somos neutros relativamente aos valores éticos, nem estamos sujeitos a uma mesma medida comparativa, importando que o respeito mútuo se baseie na salvaguarda das diferenças – daí a liberdade de pensamento, a liberdade religiosa e a liberdade de crença e convicção. “Não sabemos o suficiente para ser intolerantes” (como afirma Karl Popper).
Mas a intolerância pode destruir a tolerância. Há esse risco, por isso temos de ser muito claros: a liberdade de pensamento e a ética dialógica exigem que sejamos tolerantes em relação às pessoas, mas não podemos ser passivos em relação às ideias intolerantes ou ao risco da destruição da liberdade. A defesa do pluralismo e da diversidade impõe a prevenção relativamente às ideias intolerantes. Isaiah Berlin (1909-1997) baseia o seu pensamento no pluralismo ético ou axiológico. Assim, “os valores produzidos pelos homens não são conciliáveis numa única hierarquia”. O pensador desenvolve, por isso, a ideia de “incomensurabilidade de valores” – já que a razão não pode definir uma ordem única de valores éticos nem medir os valores de modo universal, por isso o pluralismo é uma necessidade.
O princípio da democracia, enquanto sistema baseado na incomensurabilidade dos valores, permite a coexistência pacífica de distintos valores e interesses que constituem a expressão filosófica de uma sociedade livre e aberta. Impõe-se, assim, salvaguardar a liberdade negativa, como ausência de impedimentos à ação e à autonomia de cada um. Isaiah Berlin distingue, por isso, como se sabe, esta liberdade negativa, da liberdade positiva, que exigiria ação, o que determina uma valoração especial relativamente aos entraves que possam estabelecer-se relativamente à liberdade individual.
No triângulo Valor ético, Norma e Facto, de que fala Miguel Reale, encontramos uma relação complexa que nos obriga à procura de fundamentação. O vai-e-vem já referido também se aplica às relações facto / valor e facto / normas. O carácter indiretamente normativo da Ética leva-nos à pergunta: porquê um dever moral? Antes do mais, o respeito mútuo não pode ser abstrato. Tem de dar lugar a uma responsabilidade. Daí a legitimidade do exercício (além da legitimidade da origem) obrigar a realizar na prática o bem comum. Temos de ter resposta, perante quem está connosco ou precisa de nós. Se há uma incomensurabilidade dos valores, há também uma exigência de respeitar as diferentes esferas da liberdade de todos.
Isaiah Berlin fala-nos da coexistência na sociedade de uma dualidade entre raposas e ouriços. Para a raposa, a curiosidade infinita da razão e a sua permanente busca apontam para a prevalência da diversidade e do pluralismo. Ao invés, o ouriço estaria à espera e não se movia – numa atitude passiva de expectativa. Este último veria o mundo através da lente de uma única ideia definidora (como Platão, Dante ou Hegel). Já o exemplo da raposa corresponderia a Erasmo, Shakespeare, Montaigne ou Goethe. E se Dostoievski poderia ser qualificado como ouriço, Tolstoi não escaparia ao dualismo – com talentos de raposa e de ouriço. Vivemos num mundo plural de raposas e ouriços… A diversidade moral, o pluralismo axiológico são marcas da imperfeição humana – já que apenas somos perfectíveis.
Quando lemos a Declaração Universal dos Direitos Humanos (“todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”) compreendemos que estamos perante: a expressão concreta dos valores éticos; a sua aplicação numa sociedade aberta; a exigência de liberdade de expressão e de ideias; o respeito mútuo, como valor de valores; a universalidade da dignidade humana. Considerando Valores, Normas e Factos, esse vai-e-vem constante da norma para o valor, do facto para o valor, do valor para a norma e da norma para o facto dá-nos a expressão da relação incindível entre ética, moral e direito.… No fundo a interpretação normativa obriga a um relacionamento complexo na compreensão do mundo. Não estamos sós. Se a pessoa humana é irrepetível e única, se todos somos diferentes, a relação com os outros de respeito mútuo é uma exigência insubstituível.


