Em Busca de Ideias Contemporâneas

A Ciência e a «Boa Nova»…

Folhetim de Verão “Em Busca de Ideias Contemporâneas” – capítulo 20

Como descobrir “as coisas escondidas desde a fundação do mundo”? Um dia em diálogo com Claude Levi-Strauss, na revista “Esprit”, Paul Ricoeur perguntou-lhe por que razão o antropólogo não se interrogava sobre as raízes explicativas da nossa própria sociedade, mas sim de outras sociedades. Para preencher esse vazio, René Girard procurou responder a esse enigma, através de uma investigação que temos acompanhado nos últimos capítulos do folhetim. O tema da violência e do conflito está sempre presente quando nos debruçamos sobre a génese do contrato social. Afinal, para descobrir as razões profundas de uma cultura é necessário interrogarmo-nos sobre as raízes do poder e sobre a administração da violência. Hoje o tema regressa à ordem do dia, uma vez que importa encontrar mecanismos de regulação que permitam aos cidadãos ser autónomos e soberanos nas suas atitudes. O regresso da sede de conquista e de um clima de guerra, leva-nos a essas interrogações fundamentais. Já vimos com Claude Lefort, Ivan Illich, Cornelius Castoriadis e Hannah Arendt procedimentos que permitem contrariar uma lógica redutora de indiferença e de subordinação. Com a queda do muro de Berlim houve a ilusão do fim da história e da superação dos velhos conflitos da guerra fria. A humilhação e o ressentimento levam-nos ao regresso de conflitos já não ideológicos, mas ligados à ambição e ao desejo. A violência deve ser, porém, limitada, através da consideração de uma fronteira que se reporta ao respeito da dignidade humana. Daí a importância da auto-organização das instituições e da necessidade de haver mecanismos de mediação capazes de garantir a participação e a representação da sociedade e dos cidadãos sem a tentação do providencialismo e da criação da sociedade perfeita. O tema da sociedade perfeita regressa à luz do dia.

Voltando aos temas que vimos tratando, para Jean-Marie Domenach há em René Girard um excesso de cientismo, por isso considera-o como o Hegel do cristianismo. Fala, assim, de uma alegre e terrível interpretação, ou seja, um sistema ao serviço da necessidade de uma História de que se conhece a origem e o seu termo. Há uma descrição baseada na contradição entre o positivo e o negativo, entre o bem e o mal. Para Girard, em virtude da noção de bode expiatório, é possível encontrar uma saída. Entre o Apocalipse e o Amor poderemos fazer uma boa escolha. É indispensável, porém, fazer confiança no real. Ao contrário do que afirmou Holderlin nem sempre onde está o perigo está a salvação.  Há perdas sem remédio e destinos que é preciso recusar. “Não creio que a ‘metafísica da diferença’ seja sempre uma metafísica do ressentimento. Não creio que a dessacralização seja o caminho que leva ao Evangelho. Pelo contrário, não será urgente parar com a profanação e reconstituir um novo sagrado: o da lei e dos direitos humanos?” – eis de onde parte o pensador. Girard afirma que a sua tese “funciona de um modo rigoroso, que pode vir a ser matematizável um dia”. Esse caminho leva, no entanto, a um cientismo que Girard em teoria denuncia. E importa lembrar o matemático René Thom: “Tudo o que é rigoroso é insignificante, ao menos nas ciências humanas”. Já no tocante às instituições, tema crucial para o filósofo, importa lembrar. “Não se pensa senão as instituições mortas”. É verdade. Mas isto também quer dizer que há realidades vivas que não são pensadas. O cero é que podemos pensar e criar nesta penumbra entre passado e futuro. Girard refuta, no entanto, Levi-Strauss. Trata-se de duas antropologias colossais que obrigam o saber e a ambição contemporâneos a parar o balanço do saber. Ao invés do nihilismo sublime definido pelo estruturalismo, Girard dá enfase à narrativa cristã. Essa a sua originalidade. De facto, como homem de fé, Girard foi capaz de opor à ferocidade ilimitada do mundo moderno e à aceleração irracional da perversidade a virtude tranquila de quem nunca deixou de ler e servir as Escrituras o exemplo de Cristo.

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