Como habitualmente, o Centro Nacional de Cultura escolhe os melhores livros para este Verão. Boas férias – e que nunca faltem boas leituras!
ROMANCE E CONTO

“Cruzeiros de Inverno” de Mário Cláudio
Edição: Dom Quixote
Que terão em comum um jovem músico a quem pedem o impensável, uma ilustradora que reclama um papel que não terá – nem como artista, nem como amante – e um ministro eternamente noivo que é humilhado publicamente por actos vergonhosos? Talvez apenas uma viagem, e o lugar obscuro aonde todos irão parar na sequência daquilo a que Balzac chamou um “poema sublime de melancolia”. “A Gôndola Negra”, “Menina Sentada” e “Os Cães de Hécate” são novelas curtas que compõem, muito ao gosto do autor, mais um tríptico notável, no qual acompanharemos as vidas necessariamente curtas e problemáticas de três personagens reais – Carlos Relvas, Ofélia Marques e José Corrêa d’Oliveira -, bem como o quotidiano dos que, graças à capacidade ficcional do autor, desenterram para nós as suas histórias, como a jornalista histérica em busca de mais um escândalo, o coleccionador obcecado em expor a obra da artista que conheceu nos livros da infância, ou um par de investigadores da Judiciária especialmente interessados em desvendar uma série de atentados ao pudor. Esta é uma obra de que emanam o humor e a verve que só Mário Cláudio – um dos mais consagrados escritores portugueses – consegue resgatar a percursos de vida tão singulares e tão pouco conhecidos dos leitores.

“Livro da Doença” de Djaimilia Pereira de Almeida
Edição: Relógio d’Água
“No momento em que morreu, Joaquim escrevia um livro que nunca me mostrou. Meu pai, meu estranho. Ouvi falar da sua obra inacabada desde criança. Onde guardar a dança da mão direita do escritor, enquanto projectou o romance, toda a vida adulta, o pontilhado de gestos abortados, os rascunhos fantasma, tentativas, planos, ou seriam sonhos, a energia despendida, o fogo de que irradiavam ideias que jamais viram a luz? O que restou foi o vazio. Mas talvez o vazio seja um lugar — uma cidade — repleto de avenidas.”
Livro composto de vários livros, finais e andamentos, Livro da Doença tem na sombra um livro inacabado e nunca lido por Djaimilia Pereira de Almeida, à volta do qual se constitui uma elegia pelas várias mortes e nascimentos da imaginação.

“A Nuvem no Olhar” de João de Melo
Edição: Dom Quixote
Nos 50 anos de vida literária de João de Melo, um livro de contos que muito bem ilustra a sua mestria.
A Nuvem no Olhar reúne dez histórias bastante distintas entre si, onde nos são propostas diversas abordagens de cariz social que não se limitam a expor críticas a usos e costumes, antes refletem sobre as ideologias e mentalidades que lhes estão subjacentes. Nelas encontramos relações intrafamiliares, caricaturas de políticos, quadros do quotidiano docente e da intelectualidade em geral, ou a simples história da viagem de um casal, em lua de mel, às nove ilhas açorianas, apresentadas como revelação essencial. De salientar «O Tríptico dos Barcos», o conto mais longo deste livro – podendo mesmo considerar-se uma novela curta –, que nos dá a perspetiva de três elementos de uma família lisboeta sobre o fim do nosso ciclo colonial africano e o evoluir do processo português posterior à descolonização.
No ano em que comemora cinquenta anos de vida literária, a intenção do autor ao reunir aqui estas histórias foi a de disponibilizar uma autoantologia das suas ficções curtas, duas delas ainda inéditas em livro, e as demais escolhidas dos dois primeiros volumes de contos que publicou, mas todas reescritas com o propósito de estabelecer a sua edição definitiva. Esta que o leitor tem agora em mãos.

“Pés de Barro” – Prémio Leya 2024, de Nuno Duarte
Edição: Leya
Estamos em 1962, num país orgulhosamente só, e vem aí a construção da primeira ponte suspensa sobre o Tejo, para a qual vão ser precisos cerca de três mil homens. A obra irá mudar para sempre a paisagem da capital, muito especialmente para quem vive em Alcântara, como é agora o caso de Victor Tirapicos, instalado na casa dos tios depois de ter envergonhado o pai com dois anos de cadeia só por ter roubado pão e batatas para fintar a miséria.
É, de resto, pelos olhos deste serralheiro de vinte e dois anos que veremos a ponte erguer-se um pouco mais todos os dias e, ali mesmo ao lado, partirem os navios cheios de rapazes para a guerra do Ultramar, donde muitos acabarão por voltar estropiados, endoidecidos ou mortos.
Porém, apesar de a modernidade parecer estar a matar a vida e os costumes do pátio operário onde convivem (amigavelmente ou nem tanto) uma série de figuras inesquecíveis – entre elas o mestre sapateiro que faz as chuteiras para o Atlético Clube de Portugal e um velho culto que aprende a desler –, Victor Tirapicos encontra o amor de uma rapariga que é muda mas consegue escutar o planeta, pressentindo a derrocada da estação do Cais do Sodré e outra catástrofe ainda maior, que se calhar tem pés de barro e só acontece neste romance, mas bem podia ter acontecido.

“Levarei o Fogo Comigo” de Leila Slimani
Edição: Alfaguara
Mia e Inès formam a terceira geração da família Belhaj, que conhecemos nas páginas de O país dos outros. Nasceram em Marrocos, na década de 1980, num país dividido entre o desejo de modernidade e o medo de perder a alma e as tradições. É todo um novo mundo, e as duas irmãs terão de encontrar nele o seu lugar, cada uma à sua maneira, na solidão ou no exílio, no excesso ou na contenção, enfrentando o preconceito e o desprezo enquanto abraçam todas as promessas.
O fôlego que as move é a ânsia de liberdade, que tem as suas raízes nas mulheres cujo sangue lhes corre nas veias: a avó Mathilde, a mãe Aïcha e a tia Selma. É nessa busca pela liberdade que Mia parte para Paris, levando consigo o fogo e a escrita. Caberá a Mia contar a história do seu povo.
Levarei o Fogo Comigo completa um tríptico magistral, retrato dos heróis e heroínas deste e de outros tempos. Uma saga inspirada na família da escritora, eivada de um impressionante vigor poético, que chega ao fim, mas permanecerá com os milhões de leitores que se apaixonaram por estas vidas.

“Viver Com os Outros” de Isabel da Nóbrega
Edição: Dom Quixote
Primeiro romance de Isabel da Nóbrega, distinguido com o Prémio Camilo Castelo Branco em 1964. “Toda a crítica foi unânime em considerar este livro um dos mais notáveis e originais da moderna literatura portuguesa”.

“Léah e outras Histórias” de José Rodrigues Miguéis
Edição: Assírio e Alvim
Léah e Outras Histórias (1958), provavelmente o mais querido e conhecido livro de José Rodrigues Miguéis, dá-nos a síntese perfeita da vida e da obra deste autor. Dez retratos ambulantes, por entre a Beira Interior, Lisboa e a sua província, Nova Iorque, Bruxelas, ou algures num misterioso país europeu tomado pela autoritarite no ar dos tempos. Dez viagens de partida e chegada às memórias de um amor perdido ou preterido pelo dinheiro, às guerras de faca e alguidar camilianas, ao estudo sociológico das gentes da capital, das passeatas da burguesia regadas a vinho e petiscos, das aventuras de espiões ou das grandes recordações no exílio, aterrando por fim nesse nervo do passado como relíquia que é a Av. Almirante Reis: «Quem quiser saber a história toda deste sítio não tem senão que vir bater à minha porta.» Entremos, pois, neste universo de pura imaginação.

“Vento nos Olhos” de Jacinto Lucas Pires
Edição: Porto Editora
O vento deita abaixo uma árvore na Ribeira Lima e isso faz começar uma história.
Xavier é um artista plástico que se põe a investigar o vento. Conhece Lydia, uma historiadora de arte interessada em escultura, e a sua vida complica-se alegremente. Maria, a ex-mulher de Xavier, é uma atriz em busca de si própria. E a filha dos dois, Luz, quer nada mais nada menos do que resolver o mundo.
Neste tempo da pós-verdade, qual o lugar da criação artística?
Num mundo cada vez mais literal, ainda há espaço para o espírito?
Mas o romance também traz o seu contrarromance. Dimas, um heterónimo do autor, entra na história à procura do famigerado sucesso. Invejoso, busca formas de sugar o ortónimo e acaba a sabotar o livro: liberta as personagens secundárias, apodera-se de referências alheias, rouba páginas para se safar, baralha os registos da narração.
Noutro plano, esta história de histórias – que vai da Ribeira Lima a Berlim, do Porto a Madrid, de Bruxelas a Heidelberg, de Lisboa a Lublin – constitui uma pergunta europeia, num tempo de divisões e guerra.
Este é um romance sobre o tempo, em diferentes sentidos. Aqui há morte e nascimento, aprendizagem e mistério, e restaurantes, autoestradas, desenhos animados, música, citações, recortes de realidade, política.
POESIA

“Livro de Caligrafia” de Nuno Júdice
Edição: Dom Quixote
Um livro de poesia inédito encontrado no espólio do autor e que se reproduz numa bonita edição que inclui o fac-símile do original.
«Nuno Júdice era um ávido consumidor de cadernos, tantas vezes comprados em museus, outra das suas paixões. Estes cadernos ora eram preenchidos compulsivamente quando tinha uma ideia ou conceito a desenvolver, ora com um único poema, como se desejasse anotar aquilo que simplesmente pensara, como se desse pequeno texto pudessem magicamente nascer outros poemas e outras ideias.
Logo após a morte de Nuno Júdice, numa das minhas primeiras visitas ao seu acervo de inéditos, apareceu-nos um caderno de capa de couro no meio de tantos outros, que pela primeira vez tivemos oportunidade de folhear com mais atenção. Tratava-se de um nobre caderno de 30 folhas cosidas, num papel branco cru de gramagem alta, em cuja primeira página constava, num jogo a três cores: Livro de Caligrafia.» (Ricardo Marques, responsável pela edição deste livro)

“Meditação Sobre Ruínas” de Nuno Júdice
Edição: Dom Quixote
«Meditação sobre Ruínas é um livro que nasce da ida de Nuno Júdice às terras romenas onde Ovídio foi exilado. Nesse ponto extremo da Europa, o poeta português viu o que significava ser estrangeiro, meditou no ponto Euxino, como o poeta romano, sobre os temas eternos do amor e da morte, e escreveu alguns dos seus poemas mais emblemáticos como “Receita para Fazer o Azul”. Trata-se, portanto, de um livro polifónico eivado de melancolia, em que o poeta mistura epitáfios e fantasmas de vários tempos e geografias, onde através da palavra poética se tecem elegias e se enumeram ausências, refletindo-se sobre o próprio fenómeno poético, um dos seus temas fundamentais.
«Ontem, como hoje, esta obra é uma premente meditação sobre as ruínas da civilização ocidental, sendo por isso considerado como um dos livros mais europeus de Nuno Júdice e um dos preferidos da crítica e dos leitores, tendo-lhe sido atribuído o Prémio da Associação Portuguesa de Escritores em 1995.»
(Ricardo Marques)

“Cinquenta Cinquenta” de Pedro Mexia
Edição: Tinta da China
Aos cinquenta anos, cinquenta poemas, todos inéditos: ideias e coisas, aquilo que se perdeu, aquilo que já não virá, valor e nulidade, finitude e tragicomédia.
TURBULÊNCIA
Bem-vindo à meia-idade.
Por favor, tenha em atenção
que meia-idade é eufemismo,
e a sua média esperança
vai a dois terços, se for saudável.
A da vida, digo, a outra
é um mito, como o avião
cair devido à turbulência.
A companhia detém informações
que tornam desnecessário dar-lhe
as boas-vindas à turbulência.
A tripulação pode garantir,
dentro das expectativas, que esta
aeronave não se vai despenhar.
De si não diremos o mesmo.

“Mapa dos Amores Incompletos” de Rosa Alice Branco
Edição: Assírio e Alvim
Celebrando 40 anos de atividade literária e depois de 14 títulos de poesia, aqui se reúne a poesia de Rosa Alice Branco. A autora convida-nos assim a ler a sua poesia começando no livro mais recente (2025, inédito) e recuando até ao início (1988), uma viagem às arrecuas que permite ler a obra como um contínuo sempre atualizado. A edição conta ainda com um posfácio de Valter Hugo Mãe, primeiro editor a reunir a obra da poeta em Soletrar o Dia (2002).

“Objetos Principais” de António Franco Alexandre
Edição: Assírio e Alvim
Pela primeira vez publicado em 1979, pela editora Centelha, “Os Objectos Principais” é talvez a melhor porta de entrada na obra de António Franco Alexandre, um livro que vincaria ainda mais a mudança que a sua obra fazia na poesia da década de 70.
Quem conseguirá esquecer estes versos de entrada, depois de os ler pela primeira vez: «poderemos, um dia, amar estas vitrinas / como quem ama uma ideia imperdoável, ou uma / breve hesitação dos condutores / a meio do percurso? […]».
Esta edição conta ainda com um prefácio de Joana Matos Frias.
MEMÓRIAS E BIOGRAFIAS

“Nos Passos de José Rodrigues Miguéis – Uma Biografia como um Romance” de Teresa Martins Marques
Edição: Âncora
Nos Passos de José Rodrigues Miguéis é uma biografia escrita como um romance, através de diálogos entre o escritor e a cientista Maria de Sousa, sua grande amiga e confidente, assentando no processo narrativo monologal, em forma diarística encenada de José Rodrigues Miguéis, e dialogal, em entrevista imaginária de Maria de Sousa ao escritor, temporalmente situada entre 25 de Abril de 1979 e 27 de Outubro de 1980, dia da sua morte.
Foram compulsados e citados numerosos fragmentos, de cartas inéditas de Miguéis a intelectuais e amigos. São igualmente citados excertos de crónicas, paratextos e aforismos, bem como excertos de cariz autobiográfico da sua obra ficcional. As 986 notas deste livro esclarecem a origem e veracidade de quanto aqui se narra.
O leitor ficará a conhecer uma vida repartida por várias geografias e ambientes desde Lisboa de princípio do século XX até Bruxelas nos anos 30 e Nova Iorque dos anos 30 até aos anos 80.
Foca-se não apenas a sua agitada vida privada, mas também a intervenção pública, na Seara Nova e no Núcleo de Ressurgimento Nacional, e também a recolha de fundos durante a Guerra Civil de Espanha.
Analisam-se as principais obras migueisianas com rigor científico, mas sem opacidades, tornando este livro útil a especialistas, nomeadamente pelo exaustivo levantamento bibliográfico, mas também ao leitor comum. Na Postumografia descrevem-se actividades ligadas à obra migueisiana, depois de 1980, bem como as vicissitudes da sua herança literária.

“Uma Vida Fora de Moda” de António de Sousa Homem
Edição: Porto Editora
Não ficar velho, não ficar doente, não ficar pobre – creio não ter cumprido nenhum dos conselhos. Fui velho demasiado cedo, quando podia ter aproveitado a saúde de que então gozava para atravessar o mundo e regressar incólume, tendo vivido aventuras. Adoeci de maleitas vulgares e, de acordo com a tradição familiar, pouco aristocratas – coisa de fidalgo, sim, mas rural, de botas e chapéu de aba minhota, com uma certa inclinação por mistérios pastoris, ervas nos muros, passaritos nas arribas, mimosas nas estradas de Vieira do Minho ou Melgaço. Um certo temperamento hipocondríaco fez de mim um amigo dedicado dos médicos. Só não fiquei pobre porque os hábitos dos Homem são anteriores à Regeneração ou aos liberais da Foz, bem como à Democracia, resultando de pequenos-almoços de torradas e café de cevada, de uma despensa precavida, e de um ascetismo sem rigor mas com certo gosto pela ordem natural das coisas: os casacos de tweed, as camisolas de lã, as gravatas da Camisaria Gomes, o arroz de pato da Tia Henriqueta, um carro usado durante muitos anos, um guarda-chuva antigo, uma gabardina que foi ao Brasil e voltou, livros velhos, sobremesas simples, uma caneta de tinta permanente, a caixa dos lápis, a cozinha quase sem sal de Dona Elaine, a dedicada governanta deste eremitério de Moledo – enfim, uma vida fora de moda. Isto não faz uma biografia, certamente, nem um modo de vida, mas é um resumo.

“Cartas sobre o Comércio dos Livros” de Denis Diderot
Edição: Assírio e Alvim
Escrito a pedido de uma guilda de editores parisienses contra as tenazes apertadas do Estado em desfavor da promoção da cultura, o grande filósofo iluminista Denis Diderot deixou-nos esta bela defesa do livro, dos livreiros e da importância de uma comunidade de leitores robusta.

“Dicionário da Geração de 70” de Ana Maria Almeida Martins, Guilherme d’Oliveira Martins, Manuela Rego
Edição: INCM e Presença
“O presente Dicionário, juntando os melhores estudiosos sobre o laborioso conjunto de personalidades de exceção que constituíram este escol de 1870, resulta de um trabalho exaustivo de cerca de duas décadas e pretende dar uma visão de conjunto capaz de demonstrar a importância crucial de quem prosseguiu a herança de Garrett e Herculano e legou ao Portugal do século xx condições para se modernizar e viver ao ritmo da Europa moderna, aprofundando, de forma aberta, as suas raízes históricas.» – Dos Coordenadores
«A Geração de 70 é, pois, um fenómeno novo e a esse título nunca mais se repetiu em Portugal. Poetas, futuros homens de letras, romancistas, mais tarde historiadores, tiveram o sentimento de que o momento que lhes cabia de entrada na vida era um momento histórico que tinha uma especificidade e que eles definiam por um encontro entre uma vocação de ordem literária ou cultural e uma contingência histórica. É um fenómeno impressionante, porque não são políticos, no sentido próprio do termo, são verdadeiros filhos de um momento de rutura política que tinha começado na Europa em 1848 e que rapidamente se esquerdiza, tomando formas extremistas e dando nascimento a uma nova ideologia que a si mesmo se batiza como Socialismo.» – De Eduardo Lourenço

“Ir a Havana” de Leonardo Padura
Edição: Porto Editora
Nas suas histórias, os bons romancistas contam sempre com uma personagem que acaba por ter tanta importância quanto o protagonista: o espaço onde a ação acontece. Por isso, não há melhor guia para conhecer Havana do que Leonardo Padura, o autor que nunca deixou de a retratar em diferentes períodos e em cada um dos seus romances.
Mas Ir a Havana é mais do que um livro sobre uma cidade. Sendo ela parte fundamental da identidade do escritor, muito do que tem sido a sua vida invade estas páginas. Assim, de Mantilla – onde nasceu – aos mais diversos recantos da capital cubana, o passeio complementa-se com as experiências do escritor, fotografias, histórias surpreendentes, e, como não podia deixar de ser, com os fragmentos dos seus romances que deram nova vida a estes espaços.
Uma leitura incontornável para todos os que se têm deliciado com os casos investigados por Mario Conde ou com o passado evocado em tantos romances de Padura, com quem aprendemos a sentir esta cidade e a viajar nas suas memórias.
ENSAIO

“Gaza está em toda a Parte” de Alexandra Lucas Coelho
Edição: Caminho
“Este livro reúne reportagens, crónicas, alguns textos nunca publicados e 148 fotografias a cores, quase todas inéditas. Ao começar a organizá-lo fui em busca da revista com a última ida a Gaza. Tinha pensado talvez pô-la em anexo, já que o livro seria pós-7 de Outubro de 2023 e a reportagem era seis anos anterior. Mas quando a li, do título à última linha, parecia a véspera do 7 de Outubro. Nunca estivera online, não circulara. E dias depois achei na nuvem as 282 fotografias dessa última ida. Não podia ser um anexo. Então é assim que o livro abre, dentro de Gaza, onde os jornalistas do mundo estão impedidos de entrar desde 7 de Outubro: primeiro a reportagem, depois uma sequência de 37 imagens. Seguem-se os textos pós-7 de Outubro, sempre por ordem cronológica. A parte II — reportagens na Cisjordânia, em Jerusalém Oriental e em Israel — também fecha com imagens: uma série de 111 (de entre as mais de 4000 que fiz lá entre fins de 2023, início de 2024). Todas as fotografias estão legendadas no fim. Editei os textos para limpar repetições fastidiosas de contexto e coisas toscas de escrever em cima da actualidade, até ao limite em que o jornal tinha de ir para a gráfica. Acrescentei notas de rodapé com actualizações, referências, fontes. A data por cima dos títulos é a da publicação (no caso de um texto ter ficado online antes do papel, conta essa data). As origens dos textos estão indicadas. Há quatro mapas, o primeiro na Introdução, os restantes na parte II. A história que leva ao 7 de Outubro remonta ao século XIX. Escrevi sobre partes dela em três livros anteriores (Oriente Próximo; E a Noite Roda; Líbano, Labirinto). Todos os outros textos sobre Israel/Palestina desde 2002 continuam por compilar. Este é um livro pós-7 de Outubro, com a excepção dessa última ida a Gaza.”
A.L.C., Março de 2025

“Cabo Verde – Ilhas Crioulas” de Manuel Brito-Semedo
Edição: Rosa de Porcelana
Este livro de Manuel Brito-Semedo centra a atenção do leitor no inegável caráter crioulo da sociedade cabo-verdiana, começando logo no título. O autor destaca o papel constitutivo da miscigenação (entre europeus e africanos, e entre africanos de diferentes etnias) típica da identidade cabo-verdiana. Todo o livro está organizado em torno da espinha dorsal da crioulidade. E embora não estejam formalmente separadas, no tratamento deste tema podem ser distinguidas duas partes, diferenciadas pelas perspetivas adotadas. A primeira metade do texto oferece-nos uma visão histórica e espacial do processo de crioulização, enquanto na segunda metade encontramos uma análise sociocultural detalhada do imaginário insular e das suas manifestações mais relevantes.

“Igualdade – O Que É e Porque É Tão Importante” de Thomas Piketti e Michael Sandel
Edição: Presença
Num diálogo fascinante, dois dos mais influentes pensadores mundiais da atualidade refletem sobre o valor da igualdade e debatem sobre o que cidadãos e governos devem fazer para diminuir o que nos separa. Da economia à filosofia, passando pela história e pela política, Piketty e Sandel analisam o que já fizemos para alcançar a igualdade mas, ao mesmo tempo, identificam e discutem, sem rodeios, o que ainda – e é tanto – nos divide, ao nível da riqueza, do rendimento, do poder e do status de cada país, numa perspetiva global.
Que podemos fazer, neste tempo de grande instabilidade política e crise ambiental Piketty e Sandel estão de acordo em muitos pontos: investimento mais inclusivo na saúde e na educação e regulamentação do poder político dos mais ricos e dos mercados, por exemplo. Não obstante, até onde e quão rápido o podemos fazer? Devemos dar prioridade ao lado material ou à mudança social? Que horizonte de mudança podemos ter, quando as forças nacionalistas estão a ganhar, novamente, terreno? Como deve a esquerda abordar valores como o patriotismo ou a solidariedade entre cidadãos da mesma nacionalidade, quando colidem com os desafios da migração em massa e as alterações climáticas?
Ler este livro e assistir ao debate entre Piketty e Sandel é ver novas possibilidades de mudança e justiça, mas é também encarar uma imutável verdade: progredir em direção a mais igualdade nunca é possível sem profundos conflitos sociais e acesa luta política.

“Todas as Noites Sonho com um País Diferente” de Nicolai Gumiliov
Edição: Assírio e Alvim
Inédito em Portugal, publica-se agora a prosa reunida de Nikolái Gumilióv, uma peça fundamental para entender a chamada Geração de Prata (com Anna Akhmátova, sua mulher, Óssip Mandelstam, Boris Pasternak ou Marina Tsvetáeva). São textos de ficção curtos, delirantes, monstruosos, cheios de aventura, lirismo e peripécias cavaleirescas. Mas também existem textos pessoais de testemunho da guerra, de investigações ocultistas, arqueológicas ou de um fascínio imenso por África. Aqui, encontramos uma fonte inesgotável do folclore, das ambições imperiais e da multiversidade étnica que constroem esse país-continente que é a Rússia. A competentíssima tradução ficou a cargo de Larissa Shotropa e João Maria Lourenço.


