A Vida dos Livros

A VIDA DOS LIVROS

Ernesto Sábato (1911-2011) é um dos melhores escritores argentinos do século XX. Deixou-nos no último dia de Abril e a sua obra e exemplo cívico dão-nos a referência de alguém que, ao longo da vida, foi um incansável lutador pelo reconhecimento da dignidade da pessoa humana em todas as suas dimensões e consequências. A sua obra maior está na trilogia “O Túnel” (1948), “Sobre Heróis e Tumbas” (1961) e “Abbadón, o Exterminador (1974).

A VIDA DOS LIVROS
de 2 a 8 de Maio 2011



Ernesto Sábato
(1911-2011) é um dos melhores escritores argentinos do século XX. Deixou-nos no último dia de Abril e a sua obra e exemplo cívico dão-nos a referência de alguém que, ao longo da vida, foi um incansável lutador pelo reconhecimento da dignidade da pessoa humana em todas as suas dimensões e consequências. A sua obra maior está na trilogia “O Túnel” (1948), “Sobre Heróis e Tumbas” (1961) e “Abbadón, o Exterminador (1974).
 
A MEMÓRIA DA INFÂNCIA
Ernesto Sábato nasceu em Rojas na província de Buenos Aires a 24 de Junho de 1911, iria, por isso, completar os cem anos dentro de poucas semanas. Foi o décimo de onze filhos, numa família de imigrantes de origem italiana, naturais da Calábria. A sua biografia começou por ser dominada pela sombria presença do irmão, falecido poucos dias antes do seu nascimento, de quem herdaria o nome. A memória mais antiga recorda Ernestito, que sua mãe nunca esquecerá pela vida fora. «Aquel nombre – dirá em “Antes do Fim” (1999) -, aquella tumba, siempre tuvieron para mí algo de nocturno, y tal vez haya sido la causa de mi existencia tan dificultosa, al haber sido marcado por esa tragedia, ya que entonces estaba en el vientre de mi madre; y motivó, quizá, los misteriosísimos pavores que sufrí de chico, las alucinaciones en las que de pronto alguien se me aproximaba con una linterna, un hombre a quien me era imposible evitar, aunque me escondiera temblando debajo de las cobijas». A primeira infância foi atribulada e as suas recordações lembram o seu estranho sonambulismo e uma especial ligação à mãe, personalidade forte que tanto marcou o jovem. Ernesto tornar-se-ia activista político e social, primeiro, cientista, depois, e, por fim, escritor dotadíssimo e um dos grandes renovadores da literatura argentina. Cresceu como um menino solitário, frágil e carente, aplicando a si o que Fernando Pessoa disse em “Tabacaria”: «Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta». Descendente de montanheses italianos e de uma velha família albanesa, Sábato foi tomando consciência do mundo que o rodeava, entre a incerteza e a esperança, virtude que o viria a marcar profundamente pela vida fora. Quando partiu para o Colégio Nacional de la Plata sentiu com intensidade o peso da nostalgia e da desprotecção, mas, a pouco-e-pouco, foi criando a sua autonomia. «Muitas lágrimas derramei naquele ano infinito». Uma educação austera, e duríssima por vezes, ensinou-o a cumprir o dever, a ser rigoroso consigo mesmo e a nunca deixar por completar qualquer tarefa começada. A severidade do pai teria sido responsável pela tendência pessoal para a tristeza e a melancolia e também para a rebeldia, bem evidente nas atitudes de ruptura de dois dos seus irmãos. Contudo, do pai ficou a profunda admiração pela fidelidade à palavra dada e por um especial culto pela amizade, que perdurou na memória familiar.


UMA VIDA MILITANTE
Com quinze anos começa a aproximar-se de grupos anarquistas e comunistas, ciente de que era necessário combater as injustiças e o risco de tirania. No fim do liceu (1928) entusiasma-se pelo jogo do xadrez, conhecendo Alekhine e Capablanca, duas glórias do momento, a disputar na Argentina o Campeonato do Mundo. “É a época mais feliz da minha vida”. Ingressa na Faculdade de Ciências Físico-Matemáticas, e segue uma vocação pessoal centrada no rigor científico. Aquando do golpe militar do General José Félix Uriburu (1930) passa à clandestinidade e centra a sua acção na Juventude Comunista, descurando o trabalho universitário. A acção política torna-se a sua principal preocupação, percorre o país como dirigente político e agitador social. Conhece Matilde Kuminsky-Richter (1918-1998), que será a sua companheira de toda a vida. Em 1934 começam as suas dúvidas sobre o marxismo-leninismo, sendo enviado para Moscovo para frequentar as Escolas Leninistas de Moscovo, devendo antes participar em Bruxelas no Congresso contra o Fascismo e a Guerra. Aí uma inconfidência leva-o a perceber que correria sérios riscos se fosse para Moscovo, já que descrê com crescente intensidade do materialismo dialéctico. Regressa à Argentina e rompe com o Partido. Em 1936, casa com Matilde e faz o doutoramento em Ciências Físico-Matemáticas, centrando-se agora, essencialmente no trabalho universitário. Consegue uma bolsa para trabalhar em Paris no prestigiadíssimo Laboratório Jolliot-Curie, para onde se desloca, aproveitando para se relacionar com os círculos do surrealismo.


EM BUSCA DA LITERATURA
Uma crise existencial atinge-o, a ciência não preenche a sua busca de sentido. Ainda trabalhará no MIT, em Boston, sendo reconhecida a sua grande qualidade de investigador, mas no início dos anos quarenta opta definitivamente pela literatura. Regressado a La Plata escreve sobre Bioy Casares e aproxima-se da revista “Sur” e do grupo de Victória Ocampo. É um tempo de transição em que assina pequenas obras de divulgação científica, desenvolve trabalhos académicos, mas está sobretudo preocupado com a actividade literária e com uma aposta integral nessa via. Em 1945, escreve “Uno e o Universo”, onde aponta os limites da racionalidade, reclamando a necessidade da compreensão da arte, da emoção e da humanidade. Em 1948, publica “O Túnel”, que constituirá um grande êxito editorial, saudado por escritores consagrados como Albert Camus e Graham Greene. Tema? O pintor Juan Pablo Castel confessa ter morto Maria Iribarne Hunter, que conhecera no Salão de Primavera. O interesse dela pela sua pintura leva-os a terem uma relação intensa e fugidia, em que a solidão e o amor se misturam com o ciúme… Em 1951, Sábato publica “Homens e Engrenagens” e em 1953 “Heterodoxia”, ensaios onde manifesta uma posição crítica relativamente às leituras lineares do progresso e às concepções políticas dominantes. O homem é um mistério que vale a pena investigar. A partir do mistério o homem deve combater o predomínio cego do racionalismo. A novela permite ao autor aproximar-se do amor, da morte, do mal e do mais severo pessimismo. Em 1958, depois de muitos dissabores políticos por defender a liberdade de imprensa e a democracia, quando o Presidente Arturo Frondizi assume a liderança do País é investido nas funções de Director-Geral das Relações Culturais no Ministério das Relações Exteriores, a que renunciará no ano seguinte. Em 1961 publica “Sobre Heróis e Tumbas”, a segunda obra da trilogia que celebrizaria Sábato, que é por certo a sua obra mais forte, onde encontramos três fios condutores da narrativa: a paixão avassaladora de Martín por Alejandra, o nascimento traumático de uma nação e a história da Seita Sagrada dos Cegos, casta perversa de poderes esotéricos e milhões de súbditos no mundo todo. Buenos Aires dos anos cinquenta aparece aqui em todo o seu esplendor e dúvida, entre a ânsia de liberdade e o peso da tirania.


A PROCURA DE SENTIDO
Ernesto Sábato põe na sua escrita a procura exigente de um sentido para a vida, ciente de que a dignidade humana apenas pode ser defendida pela consciência dos limites e pela compreensão das relações complexas entre liberdade e justiça. Em 1974, encerra a sua trilogia fundamental com “Abbadón, el Exterminador”, obra fragmentária, enigmática, apocalíptica, onde se nota a agonia de uma civilização, marcada pelo estranho triunfo das trevas… E é esse triunfo das trevas contra o qual o escritor se bate sempre. Após o fim da ditadura militar argentina Ernesto Sábato foi nomeado pelo Presidente Alfonsin para presidir à Comissão Nacional dos Desaparecidos. Esse foi um momento crucial na vida cívica do escritor, ensaísta e intelectual, bem evidenciada nesta passagem de “Antes do fim”: «El horror que día a día íbamos descubriendo dejó a todos los que integramos la Conadep, la oscura sensación de que ninguno volvería a ser el mismo, como suele ocurrir cuando se desciende a los infiernos. Siempre recordaré la entereza ética y espiritual de las personalidades de la ciencia, la filosofía, varias religiones y el periodismo, que integraron la comisión».    


Guilherme d’Oliveira Martins



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