A Vida dos Livros

UM LIVRO POR SEMANA

“Spheres of Justice” de Michael Walzer (Basic Books, 1983) é uma obra referencial da moderna filosofia política (tradução portuguesa, Presença, 1999). Num tempo em que a reflexão sobre o Estado social moderno obriga à compreensão das novas realidades económicas e sociais que condicionam a construção e a consolidação da democracia, Walzer lança caminhos novos que aprofundam e completam as pistas já lançadas por outros autores como John Rawls, Habermas ou Quentin Skinner.

Um Livro por Semana
Semana de 22 a 29 de Janeiro


Spheres of Justice” de Michael Walzer (Basic Books, 1983) é uma obra referencial da moderna filosofia política (tradução portuguesa, Presença, 1999). Num tempo em que a reflexão sobre o Estado social moderno obriga à compreensão das novas realidades económicas e sociais que condicionam a construção e a consolidação da democracia, Walzer lança caminhos novos que aprofundam e completam as pistas já lançadas por outros autores como John Rawls, Habermas ou Quentin Skinner. Tentando superar a dualidade entre universalismo e comunitarismo, Walzer define-se como “comunitarista liberal” e como “liberal comunitarista” numa ambiguidade propositada que o aproxima da lógica liberal e republicana, sem, no entanto, deixar de entender, em nome da complexidade, a importância dos múltiplos factores que condicionam a coesão social. Se Rawls chegou à noção de “consenso de sobreposição” (“overlapping consensus”), em nome da coexistência de diferentes doutrinas morais, filosóficas ou religiosas que condicionam e constroem a concepção política de justiça como equidade, Walzer adoptou uma concepção de justiça pluralista para uma igualdade complexa – procurando superar o formalismo liberal e o particularismo conservador. Uma “sociedade humana é uma comunidade distributiva” o que conduz a que as relações de poder e dominação se refiram à mediação dos bens sociais. Por outro lado, a justiça distributiva não opera da mesma maneira relativamente aos bens transaccionais e aos dons. Daí que a teoria da justiça seja indissociável da análise da natureza e dos modos de distribuição dos bens no seio de uma dada comunidade. E a verdade é que os bens sociais se distribuem diferentemente nas sociedades humanas. Daí a necessidade de uma teoria diferencialista da justiça, assente em dois tipos de pluralismo: o pluralismo dos bens sociais e o pluralismo das identidades sociais e culturais. E assim a cada bem social corresponde uma esfera própria de distribuição, sendo a tirania o desejo de dominação universal fora da sua ordem. Os diferentes modos de distribuição e a sua compreensão permitem que haja freios e contrapesos que impedem a tirania. Uma igualdade simples é votada à instabilidade e ao estatismo. Deste modo, a injustiça, por exemplo numa sociedade capitalista, não é principalmente ligada à distribuição desigual de dinheiro e recursos, mas ao facto de o dinheiro oferecer acesso a bens sociais (como a educação e a saúde) que deveriam obedecer a outros princípios distributivos. Numa palavra, o mérito, como critério distributivo, não pode ser substituído pela capacidade económica. Não poderá usar-se, assim, um só critério, qualquer que seja, para repartir o conjunto dos bens sociais – como o dinheiro, o amor, as responsabilidades públicas, o reconhecimento etc.. Nem se diga que é a necessidade o critério relevante, uma vez que muitos bens não correspondem a qualquer necessidade, como o poder, a glória e o luxo. Daí que tenhamos de ligar aptidões e recursos e necessidades socialmente reconhecidas. De facto, as concepções formalistas pecam por não considerar as motivações concretas de cada pessoa, para cada bem social, que condicionam as escolhas de repartição. À “justiça como equidade” de Rawls, Michael Walzer contrapõe a “justiça complexa”. Uma sociedade será justa se a sua vida substancial for vivida de um modo que seja fiel às compreensões partilhadas pelos seus membros. Assim, quando os cidadãos estão em desacordo, nas nossas sociedades complexas e pluralistas, sobre o significado dos bens sociais, a sociedade tem de criar instituições ou instrumentos de regulação que permitam a expressão dos conflitos e a sua superação. E a democracia é o regime que exclui todas as razões extrínsecas (armas, dinheiro, diplomas) na distribuição do poder, onde apenas devem contar os argumentos trocados pacificamente entre os representantes dos cidadãos. Para tanto, o associativismo e a solidariedade voluntária tornam-se factores essenciais de participação, de legitimidade e de justiça.
                                                                                                                            Guilherme d’Oliveira Martins

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