Reflexões

De 18 a 24 de Outubro de 2004

António Ramos Rosa completou oitenta anos. A acompanhar um texto justíssimo de Gastão Cruz (publicado no Público) sobre o poeta nós, os seus leitores e admiradores, tivemos um afectuoso presente – um poema inédito, como de costume, luminoso e sentido…

António Ramos Rosa completou oitenta anos. A acompanhar um texto justíssimo de Gastão Cruz (publicado no Público) sobre o poeta nós, os seus leitores e admiradores, tivemos um afectuoso presente – um poema inédito, como de costume, luminoso e sentido. “O espaço do olhar é claro e aberto/ que nós estamos no mundo antes de o pensarmos/ e nada nele indica que exista um outro lado/ de sombras incertas de silêncios abismais/ Vivemos no seio da luz onde o inteiro vibra/ com a sua evidência de claro planeta/ e ainda que divididos vivemos no seu espaço uno/ porque é o único em que podemos respirar…” Como o poeta sempre nos ensinou, a “palavra subverte, instaura”. Abrem-se novos horizontes, novos sentidos, novos caminhos. Compreende-se a magia do caminhar de António Machado com todas as suas consequências, sempre inesperadas, sempre imprevisíveis. “Poesia, liberdade livre” – eis a fórmula que se baseia no primado da criação e da compreensão, através de novos olhares e de novas leituras. Por isso, sobre Herberto Hélder, Ramos Rosa disse que não há opacidade, mesmo quando as imagens e as palavras parecem densas e obscuras. “Mehr licht” foram as últimas palavras de Goethe. É a procura da luz que está sempre presente na poesia, não pela facilidade da repetição ou pelo carácter óbvio, mas pela força que anima e pelas probabilidades que se abrem de leitura, de interpretação e de diálogo com o mundo. Luz e enigma coexistem. Mas é a busca de uma melhor compreensão da vida que está em causa. Vivemos enraizados. Procuramos sempre entender mais e melhor o que nos cerca. António Ramos Rosa representa a coerência e a persistência de nunca desistir de procurar e de encontrar novos caminhos, pessoas e palavras, desde o longínquo Outono de 1951, no primeiro número da revista “Árvore”, da qual foi o mais “proeminente” director… E não podemos esquecer as recensões premonitórias a “Coral” de Sophia e a “Corpo Visível” de Mário Cesariny. Para ele, modernidade e criação exigem uma intensa e trabalhosa procura. Podemos comparar essa atitude à de Júlio Pomar na pintura. E Gastão Cruz recorda que “podemos dizer que, com maior insistência e mais cedo que qualquer outro crítico de poesia (e a sua acção neste campo está sólida e coerentemente ligada à sua actividade como poeta), foi A.R.R. quem, sobretudo, lutou pela aceitação (…) de uma linguagem poética nova, em ruptura com os vários tradicionalismos líricos (mas não com a tradição lírica, como já o demonstrava, por exemplo, a própria poesia ortónima de Pessoa) e frequentemente apodada de incompreensível, arbitrária, incongruente”. Oiçamos ainda e sempre o poeta: “A palavra pode anteceder a visão mas também ela é atraída/ para o luminoso espaço em que desenha os seus contornos/ Como poderia a palavra fingir o que lhe foge/ sem a superfície de um solo iluminado?” Muitos parabéns António Ramos Rosa. Viva a poesia!


 


Guilherme d’Oliveira Martins

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