Reflexões

De 14 a 20 de Junho de 2004

Faleceu António de Sousa Franco, um grande amigo do Centro Nacional de Cultura. O que se pode dizer quando ficamos sem um grande amigo? Muito pouco. Faltam as palavras. É sempre mais fácil usar as palavras graves e de circunstância quando a amizade é algo distante. No caso de António Luciano Sousa Franco, não posso usar nenhuma das palavras que nestes momentos se usam…

Faleceu António de Sousa Franco, um grande amigo do Centro Nacional de Cultura. O que se pode dizer quando ficamos sem um grande amigo? Muito pouco. Faltam as palavras. É sempre mais fácil usar as palavras graves e de circunstância quando a amizade é algo distante. No caso de António Luciano Sousa Franco, não posso usar nenhuma das palavras que nestes momentos se usam. Em vários depoimentos que ouvi, duas palavras me tocaram especialmente – era um homem bom. Era-o, de facto. Trabalhei com ele durante mais de trinta anos. Nunca tivemos uma dificuldade de relacionamento, um pequeno problema sequer… Sei bem que tinha um feitio exigente. Era, no entanto, muito recto, e fazia da justiça a sua regra fundamental. Apenas se exasperava com a deslealdade. Fui seu aluno na Faculdade de Direito de Lisboa, ele, jovem assistente de Finanças Públicas, brilhante, entusiástico, abrindo novos horizontes científicos e pedagógicos. Depois não mais deixámos de nos encontrar. Na vida política, na vida académica, na vida familiar. Fui seu assistente na nossa Faculdade, e foi dos momentos mais fecundos na minha formação. Fui seu chefe de gabinete no Ministério das Finanças. Falávamo-nos amíude. Estou a ouvi-lo, satisfeito e empenhado, a perguntar informações sobre o andamento das negociações europeias, e a pedir impressões sobre a campanha. Tínhamos um velho método de trabalho, quando precisava, telefonava-me e eu ia ter com ele para falarmos ao serão em sua casa. Como não gostava de falar ao telefone, preferia a conversa olhos nos olhos. E por lá ficávamos, até desoras, falando de tudo… Era um conversador único. Tinha um fantástico sentido de humor. Gostava da vida. Foi das pessoas mais inteligentes que conheci. Era um regalo para o espírito conversar com ele. Tinha a paixão dos livros. Havia sempre livros por toda a parte, nas suas casas. Na Rua Pedro Nunes conheci os seus pais, que recordo com muita saudade. Lembro os livros e os dossiers a subirem pelas paredes acima, mas sobretudo o olhar vivo do Mestre, a aconselhar novas leituras, novos temas, novas investigações. Com o seu humor, enchia uma casa, era sempre bom o seu convívio e a sua presença… Era um homem de uma fé profunda. Era um militante cristão empenhadíssimo – da escola social, da militância da solidariedade e da justiça. Encontrámo-nos também nesse empenhamento. E, numa das últimas conversas que tivemos, falou-me da biografia de Robert Schuman, um católico militante, um europeísta convicto, que António Luciano tanto admirava, e lembrou a necessidade de preservar os grandes ideais da Europa da paz e da cultura para os dias de hoje. António Luciano era um idealista, um cidadão empenhadíssimo, um homem de combates sérios e abertos. Não era um político profissional, mas entendia que a política era das profissões mais dignas e necessárias, devendo mobilizar os melhores. Ele era um dos nossos melhores.

Guilherme d`Olivira Martins

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