A Vida dos Livros

De 9 a 15 de julho de 2018

A Cimeira de Berlim do Património Cultural foi um momento culminante deste Ano Europeu. Se é verdade que há ainda muito para fazer, pode afirmar-se que o aprovado “Apelo de Berlim” constitui um documento fundamental que põe a tónica na defesa da Cultura, da Educação e da Ciência como fatores de desenvolvimento sustentável, de diversidade e de paz.

PATRIMÓNIO, LEMBRANÇA VIVA…

A vitalidade cultural de Berlim, nos últimos anos, desde a arquitetura e urbanização à presença da nova geração de artistas plásticos e cultores das diversas artes foi o melhor cenário para este extraordinário encontro. Ao caminharmos em “Unter den Linden”, entre tílias, em direção à Porta de Brandeburgo e ao novo Bundestag pudemos lembrar as gravuras antigas e as grandes referências da cultura alemã: os Museus, a Biblioteca, e a sombra de grandes espíritos, como Fichte e Humboldt. Que é o património cultura senão essa lembrança viva? O “Apelo de Berlim para a Ação” constitui um importante desafio para governos, instituições da sociedade civil e cidadãos, organizações internacionais e supranacionais, no sentido de considerar o património cultural como fator de superação do vazio de valores éticos, da indiferença, do medo dos outros – no sentido de uma “cultura de paz”, suscetível de pôr a tónica num culto comum da herança e da memória, do respeito mútuo e de uma verdadeira partilha de responsabilidades. Valores, culturas e memórias constituem a base de uma Europa que deve caracterizar-se pela “Unidade na Diversidade”, resistindo à fragmentação dos egoísmos e da intolerância. Fora da lógica das identidades fechadas, devemos construir realidades abertas e complexas, que não excluam ninguém. A pertença a uma comunidade local e o reconhecimento da importância da proximidade não podem ser contraditórios com a ideia de uma pertença múltipla e de uma solidariedade europeia e global. O património cultural liga gerações, suscita complementaridades, cruza influências e assenta na evolução histórica de encontros e desencontros – abrindo caminhos de diálogo e de cooperação entre comunidades na Europa, mas também com outras culturas do mundo. Trata-se de uma ponte entre o passado e o futuro, um processo contínuo de criatividade e inovação, que assenta as suas raízes na evolução histórica e suplanta-a em nome de uma cultura viva e de uma cidadania ativa e responsável. Mas, falar do tema, é referir ainda o desenvolvimento sustentável, uma sólida coesão social e o surgimento, direta e indiretamente, de condições para novas possibilidades de trabalho. O património cultural traz harmonia e beleza para o nosso meio ambiente, humano e natural, mas também permite desenvolver o bem-estar e a qualidade de vida. Neste Ano Europeu, quando celebramos os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, estamos em condições para ir além de meras declarações de princípios. E importa seguir destes para a ação, tornando os valores culturais como sentidos por todos – certos de que, deste modo, poderemos, a um tempo, respeitar as pertenças locais, regionais ou nacionais, compreendendo que estas só serão preservadas se não esquecermos as diferenças e a relação com os outos. E não se pense que é fácil este compromisso. Muitos pensam que fechando-se se protegem melhor, quando a história nos dá eloquentes exemplos que demonstram que cultura fechada é cultura ameaçada e morta. O valor universal da dignidade da pessoa humana defende-se com unidade e diversidade. A prevalência da hostilidade sobre a hospitalidade gera consequências dramáticas, que levam a conflitos desregulados, guerras sangrentas e à trágica espiral da violência. O desenvolvimento humano exige equilíbrio entre identidade e diferença, tradição e modernidade, liberdade e igualdade… Eis por que razão o Apelo de Berlim tem de ser considerado na sua dimensão política e democrática.

UM PLANO DE AÇÃO EUROPEU

De que falamos? De desenvolver o Plano de Ação Europeu para o Património Cultural; de reconhecer o Património como uma prioridade no âmbito das políticas europeias; de criar pontes entre as dimensões local, nacional e europeia; de preservar e transmitir o que é insubstituível; de investir na regeneração do Património com qualidade; de promover o melhor conhecimento, a compreensão aprofundada e de aproveitar a oportunidade que o momento atual nos reserva. Cada um destes pontos corresponde a uma responsabilidade concreta, que supera em muito a marginalidade de um tema secundário. É a sociedade no seu todo e o desenvolvimento humano que estão em causa. Só um ambicioso Plano de Ação Europeu pode obter resultados efetivos. A Nova Agenda Europeia para a Cultura não pode ficar nas boas intenções nem ser confundida com uma cornucópia de meios usados sem critério nem avaliação. Importa envolver promotores e beneficiários, do espaço público e da sociedade civil – articulando o investimento na cultura, educação e ciência com os objetivos de coesão social e de desenvolvimento regional, envolvendo cidades, campos, litoral, meio ambiente, turismo, sustentabilidade, mudança climática, investigação e inovação, política digital, educação, objetivos de qualidade e, naturalmente, juventude. Estamos a referir a obrigação de maior relevância da Europa e de coerência com a Convenção de Faro do Conselho da Europa, com a Estratégia Europeia para o Património no Século XXI e com a Agenda das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável. Deste modo, as instituições europeias deverão reconhecer o património cultural como prioridade estratégica, com expressão no quadro financeiro plurianual (2021-2027). Isto contribuirá para o mais do que urgente investimento europeu para o capital humano e cultural e para a promoção dos valores europeus. Daí a importância da eleição do novo Parlamento Europeu em 2019 e da Comissão, para que haja compromissos concretos. Os diferentes níveis de governação têm de se coordenar para que o património cultural funcione como um verdadeiro recurso para a sociedade, economia, cultura e meio ambiente. O âmbito local, regional, nacional e europeu tem de definir planos articulados e coerentes, para serem eficientes, do mesmo modo que devem envolver organizações internacionais e sociedade civil. Não podemos esquecer ainda que o património cultural é único e insubstituível, vulnerável e sujeito a riscos – daí a necessidade de criar sinergias no tocante à investigação, à criação artística, às novas tecnologias, ao investimento económico, no sentido da preservação, salvaguarda e a um melhor conhecimento. Também a regeneração das cidades, arredores e meios rurais obriga à criatividade, inovação e adaptação, com critérios de elevada qualidade, de acordo com a Declaração de Davos. Ainda a ligação com as escolas e a educação, com a formação e mobilização de novos públicos, a começar nas crianças e jovens, revela-se de importância crucial, até para facilitar uma melhor compreensão, respeito e inclusão de novos habitantes na Europa. Ora, se tem sido possível concentrar esforços neste Ano Europeu, importa aproveitar o movimento para encontrar uma fórmula de ação adequada no sentido da criação de uma plataforma futura permanente para o melhor conhecimento e coordenação de ações na defesa do património cultural na Europa.  

Guilherme d’Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença
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