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Fernando Campos (1924-2017)

O escritor Fernando Campos nunca deixou de escrever mas foi A Casa do Pó que lhe deu fama aos 62 anos. Reformou-se imediatamente para continuar a escrever.

Havia quem descrevesse o professor de português do Liceu D. Pedro Nunes, Fernando Campos, como uma personalidade “quase renascentista” devido aos “seus muitos talentos”. Sendo grande conhecedor das artes da música e do cinema, conhecedor do Latim e do Grego antigo, não ignorando a sua habilidade para a pintura, acabou por ficar conhecido dos portugueses por um romance intitulado A Casa do Pó, publicado em 1986 e que obteve um sucesso inesperado. Que, decerto, teria em muito a ver com a história tão portuguesa do relato de Frei Pantaleão de Aveiro e da sua viagem à Terra Santa, memórias que ainda em vida lhe deram um sucesso literário semelhante ao de Fernando Campos.

Fernando Assis Pacheco fez a propósito uma recensão na altura em que dizia tudo: “O professor liceal sai cá para fora com um excelente romance”. Clara Ferreira Alves reforça: “É um romance com uma força extraordinária e de que ninguém estava à espera.” Outros críticos comentaram o acontecimento assim: “do anonimato para a notoriedade” ou “o grande escritor dos anos 80”.

Tudo isto num tempo em que José Saramago publicava os sucessores de Memorial do Convento, e António Lobo Antunes e José Cardoso Pires obras fundamentais da literatura daqueles anos.

Foi isso mesmo, A Casa do Pó catapultou o mestre de português, um romance que lhe ocupou mais de uma década de trabalho no manuscrito e que o revelou, primeiro, aos leitores de todos os géneros; segundo, aos portugueses que o reconheciam de o ver multiplicar-se em entrevistas na imprensa e na televisão; e aos que reviam no romance histórico uma das grandes receitas literárias para arrebanhar leitores em todas as classes e idades.

O sucesso foi de tal dimensão que Fernando Campos antecipou a sua reforma e com pouco mais de 60 anos dedicou-se integralmente à escrita. Após edições sucessivas deste sucesso, mais de uma dezena, lançou vários romances. Seguiram-se O Homem da Máquina de Escrever, Psiché, A Esmeralda Partida (sobre D. João II), que obteve o Prémio Eça de Queiroz, A Sala das Perguntas (inspirado na vida de Damião de Góis), o livro de contos Viagem ao Ponto de Fuga, A Ponte dos Suspiros (sobre o rei D. Sebastião) Que o meu pé prende…, O Prisioneiro da Torre Velha (a vida de D. Francisco Manuel de Melo), O Cavaleiro da Águia (retrato de D. Gonçalo Mendes da Maia), O Lago Azul (sobre os descendentes do Prior do Crato), ou A Loja das Duas Esquinas. Um ano antes de apresentar em 2011 a sua última obra, Ravengar, o autor editou uma biografia da poeta Safo, intitulado A Rocha Branca.

Quem conhecia o seu processo de criação diz que Fernando Campos era exaustivo na investigação, sempre preocupado em não falhar os pormenores históricos que caracterizavam o cenário principal da sua obra. Vários destes títulos foram traduzidos para francês, alemão e italiano.

Ficção histórica

Fernando Campos nasceu em 1924 em Águas Santas (Porto) e faleceu no sábado passado em Lisboa. Tinha 92 anos. Era filho do pintor Alberto da Silva Campos, tendo frequentado a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde se licencia em Filologia Clássica.

Segundo a biografia publicada na edição original de A Casa do Pó, este livro “é o seu primeiro romance, embora tenha colaborado em várias obras didáticas e de investigação” – a antologia Prosadores Religiosos do Século XVI ou a Vida de S. Teotónio.

Quanto ao seu livro de maior sucesso, era assim descrito: “Romance histórico nas rigorosas reconstituições factuais e locais, no recorte de muitas das figuras que atravessam a cena, ficção na intriga e no delineamento de personalidades inteiramente criadas ou apenas recriadas. (…) O autor não pretendeu fazer uma mera incursão pelo chamado romance histórico e o que aí está são velhos problemas da humanidade que, vindos de há séculos, ainda hoje persistem nos mesmos cenários e saltam para outros mais alargados e vastos.”

Entre as reações ao anúncio da morte de Fernando Campos, está a do Presidente da República, que considerou que o autor “renovou o romance histórico em Portugal”. Por seu lado, o ministro da Cultura, Luís Filipe de Castro Mendes, referiu que foi um escritor “de obra tardia, mas de grande qualidade”. Um livro que “faz um retrato de Portugal no século XVI e especialmente da nobreza nas cortes de D. Manuel I e D. João III”.


por João Céu e Silva, in Diário de Notícias | 4 de abril de 2017

Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias

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