A Vida dos Livros

De 21 a 27 de novembro de 2016.

Acaba de ser publicado o “Novo Atlas da Língua Portuguesa” de Luís Antero Reto, Fernando Luís Machado e José Paulo Esperança (ISCTE-IUL – Instituto Camões, 2016) – onde se procede a um levantamento circunstanciado de elementos sobre a presença da língua portuguesa no mundo.


A INFLUÊNCIA DA LÍNGUA

A língua portuguesa é a terceira língua europeia mais falada no mundo, o idioma mais usado no hemisfério sul, uma das cinco línguas que já tem e terá maior utilização mundial no próximo século, com especial destaque para a internet e redes sociais, havendo provavelmente neste momento 200 mil estudantes que aprendem o português como língua estrangeira em sete dezenas de países… Mas todos estes elementos obrigam a que haja um especial cuidado na partilha de responsabilidades relativamente a uma realidade cultural complexa, com expressão em todos continentes e com uma diversidade notável. Como salienta o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva: além do mais, «o português é uma das línguas mais dinâmicas do mundo. Quer isto dizer que é das que proporcionalmente mais verá crescer o número dos seus falantes e mais verá alterar-se a sua geografia. Os dados mais relevantes, a este propósito, são os seguintes. Por um lado, estima-se que dos atuais 261 milhões de falantes, o português passe a contar com perto de 390 milhões, em meados do século, e uns 487 milhões no seu fim, Por cada falante atual, haverá, portanto, nessa altura 1,9. Além disso, se hoje a larguíssima maioria dos falantes da nossa língua reside no Brasil (são mesmo quatro quintos), prevê-se que no fim do século XXI, o número dos que a usarão em África será superior ao da América Latina, mudando assim qualitativamente a geografia e, em consequência, a variedade maioritária do português»… E assim a chamada «lusofonia» evoluirá num sentido da maior diversidade e de um nítido policentrismo. Estamos perante uma partilha e um condomínio da língua portuguesa – no que inequivocamente é uma língua de várias culturas e uma cultura de várias línguas. E as projeções realizadas apenas confirmam esta tendência. Se falamos desta expansão nos países onde a língua é oficial, não podemos esquecer os inúmeros países onde se desenvolve a diáspora portuguesa – para além da crescente importância das iniciativas económicas nos espaços onde se fala português, para além da importância cultural dos nossos escritores, artistas, músicos e criadores. No Japão, na Malásia ou na Indonésia, com a declaração do Fado como património universal pela UNESCO, houve um crescimento significativo do número dos estudantes de português moderno, muitos dos quais descendiam de falantes da língua franca do século XVI, o «papiar cristão». Como ainda refere o Ministro dos Negócios Estrangeiros, não falamos de uma realidade uniforme, propriedade de quem quer que seja. «Ela não é a “língua dos portugueses”, mesmo que sob a forma travestida de uma noção de lusofonia a que sub-repticiamente se atribuísse tal conteúdo normativo: ou a língua que, por já “ter sido” dos portugueses, seria responsabilidade primária deles acarinhar».

REALIDADE POLICENTRICA

Estamos perante uma realidade plurifacetada, policêntrica e pluricontinental. E é fácil de perceber que a evolução geográfica, as alterações no mundo global e as novas tecnologias de informação e comunicação irão favorecer uma língua plural e rica, não padronizada, definindo uma identidade de muitas diferenças e complementaridades. Como já hoje acontece nos meios mais lúcidos e cultos a diversidade e o intercâmbio só favorecem o enriquecimento mútuo. Lembremo-nos de que nas últimas décadas o falar do Portugal europeu já sofreu uma nítida influência dos retornados de África, dos emigrantes regressados à pátria, dos imigrantes brasileiros, cabo-verdianos e de outras origens no mundo onde se fala a língua portuguesa. E nesse ponto, estamos perante um sério desafio que corresponde à necessidade de ensinar a língua portuguesa como hoje se fala e se escreve, para que não sejam cometidos erros graves de sintaxe e para que o enriquecimento vocabular seja enriquecido, além de que se deverá avançar de modo partilhado, em especial com o Brasil, na elaboração de vocabulários científicos e técnicos, que favoreçam o rigor e a clareza na comunicação. O fazermo-nos entender com clareza e correção não é tarefa de gramáticos, mas de cidadãos empenhados em fazer-se entender sem equívocos ou ambiguidades. Não basta, pois, dizer que a língua portuguesa é uma das mais faladas, em todos os continentes e com inequívoco potencial económico. Há muitas resistências, dificuldades, complexos, inércias. Por isso, importa desenvolver ações de promoção coordenada e articulada da língua portuguesa. E nesse particular, falamos do apoio à formação de professores de português; da existência de uma rede transnacional de ensino do português como língua de herança na diáspora; da integração do português como língua estrangeira; no desenvolvimento de uma rede de cátedras, leitorados ou centros de língua e cultura; da oferta de cursos de português para ir ao encontro das necessidades das relações internacionais e do comércio; da promoção do português como língua internacional nas principais organizações mundiais; do desenvolvimento da cooperação entre países de língua portuguesa; da internacionalização da língua e da cultura, designadamente nas instituições de ensino superior, científicas e académicas; bem como da estruturação da ação cultural externa, com a presença dos nossos artistas e criadores, das indústrias criativas. Tudo isto deve culminar num reforço da cooperação entre instituições oficiais e da sociedade civil nos diferentes Estados que usem a língua portuguesa, de modo que a língua viva, se torne presente e atuante – como fator de desenvolvimento e de paz. Os dez capítulos de Atlas tratam da História e do Futuro da língua; da sua demografia e geografia; no ensino do português no mundo; da posição geoestratégica e da expressão económica dos países de língua portuguesa; do português como língua de negócios; da língua e da mobilidade; do património comum – desde a unidade à diversidade; da cultura, artes e ciência; das personalidades dos países de língua portuguesa e da língua portuguesa na Net. Há assim grande cópia de informação que deve ser lida com um grande rigor, já que estamos perante um pano de fundo, que não pode nem deve ser lido numa perspetiva paternalista ou triunfalista. Somos um país médio como responsabilidades exigentes ditadas pela história e pela projeção mundial da nossa língua e das nossas culturas, daí que necessitemos de uma estratégia inteligente capaz de mobilizar o máximo de esforços que for possível, favorecendo as complementaridades. Com compreensão do mundo, trata-se de fazer com que o bem comum seja um fator ativo de desenvolvimento humano.

Guilherme d’Oliveira Martins

Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença

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