Reflexões

De 20 a 26 de Junho de 2005

Eugénio de Andrade (1923-2005) está bem presente na nossa lembrança. A sua poesia recorda-nos a vida e a compreensão dos outros. É a sensibilidade pura que se manifesta. Foi um cultor da palavra (como se de cristal se tratasse), um artífice incansável da escrita.

REFLEXÃO DA SEMANA
De 20 a 26 de Junho de 2005


Eugénio de Andrade (1923-2005) está bem presente na nossa lembrança. A sua poesia recorda-nos a vida e a compreensão dos outros. É a sensibilidade pura que se manifesta. Foi um cultor da palavra (como se de cristal se tratasse), um artífice incansável da escrita. Um poema ocupava-o horas infindas, burilava-o, purificava-o, procurava o ritmo certo, o equilíbrio adequado… Óscar Lopes falou de “uma espécie de música” na sua poesia. Era a “obsessão pelo poema enxuto”, como disse o seu editor José da Cruz Santos. Ostinato Rigore! Era a procura permanente da perfeição e da justeza das palavras e do seu encadeamento. Eugénio foi um peregrino da poesia, sempre de bordão em punho, incansável na caminhada lenta e atenta da compreensão e da consciência. Vitorino Nemésio descobriu-lhe, desde cedo, a carga mítica. “Trazia consigo a graça/ das fontes quando anoitece./ Era o corpo como um rio/ em sereno desafio/ com as margens quando desce./ Andava como quem passa/ sem ter tempo de parar./ Ervas nasciam dos passos,/ cresciam troncos dos braços/ quando os erguia ao ar.” A realidade e o quotidiano ocuparam o seu universo, onde a humanidade era procurada incessantemente. Há uma fotografia muito bonita, de Março de 1956, em que Eugénio está no Porto ao lado de Sophia – os dois poetas cultores da beleza, junto de uma árvore, a olharem o futuro. É um encontro sublime de peregrinos, com os olhos cheios de vida e de ventura. Como não lembrar os “Cadernos de Poesia” e o seu legado? Temos de nos recordar dos ecos da escrita serena: “E seguia o seu caminho,/ porque era um deus que passava./ Alheio a tudo o que via/ enleado na melodia/ duma flauta que tocava.” Nessa via de deuses e de peregrinos, Eugénio fazia a caminhada com passos seguros, mas de dúvida e de exigência. Não suportava a mediocridade do mesmo modo que não transigia com o pouco mais ou menos. Desde a Póvoa de Atalaia, na Beira Baixa, onde a Mãe foi o grande e magnífico porto de abrigo (“Não me esqueci de nada, mãe./ Guardo a tua voz dentro de mim”), até à cidade de onde houve nome Portugal, o Porto, capital da liberdade, que o acolheu exemplarmente, José Fontinhas tornou-se Eugénio de Andrade, poeta de “As Mãos e os Frutos”, de “Coração do Dia”, de “Mar de Setembro”, até “Os Sulcos da Sede”, perscrutador da realidade e do mundo. Pedro Mexia fala de “um poeta que entendeu a poesia como um instrumento de alegria” e Gastão Cruz diz que “não deixou nunca de sentir a vida em toda a sua extensão, variedade e contrastes”. A língua portuguesa encontrou maturidade e depuração na poesia de Eugénio. É a palavra exacta que encontramos na sua obra, na encruzilhada das grandes referências do século XX. E esse facto determina que a poesia de Eugénio de Andrade seja destinada a permanecer e a representar o nosso tempo, como um autêntico limiar de pássaros…


 

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