Reflexões

De 4 a 10 de Outubro de 2004

“A língua portuguesa é pátria de várias pátrias. A afirmação tem tudo menos de retórico. Basta circularmos, basta ir ao encontro de quem fala português, nos países irmãos e nas comunidades que têm o português como língua, para percebermos que há uma pátria plural, um encruzilhada de afinidades electivas, que enriquece o “melting pot” que somos originalmente. (…)”

Reflexão da Semana


De 4 a 10 de Outubro de 2004


“A língua portuguesa é pátria de várias pátrias. A afirmação tem tudo menos de retórico. Basta circularmos, basta ir ao encontro de quem fala português, nos países irmãos e nas comunidades que têm o português como língua, para percebermos que há uma pátria plural, um encruzilhada de afinidades electivas, que enriquece o “melting pot” que somos originalmente. E nessa pátria plural deve existir um patriotismo aberto, que desejamos livre dos saudosismos retrospectivos ou dos paternalismos inconsequentes. Na Europa, nós, portugueses, recebemos mil influências, de povos nómadas e conquistadores, que por aqui foram passando. Depois, no encontro com outras gentes e outros territórios, tornámos essa mistura mais intensa e complexa A miscigenação no mundo que o português criou ou recriou tem a ver com essa abertura, com essa disponibilidade para o diálogo e para a partilha com os outros. Há dias, na Cidade Velha, na ilha de Santiago, na peregrinação do CNC, Daniel Pereira falou-nos da memória histórica como uma realidade viva e recordou o Padre António Vieira e a sua surpresa perante a qualidade das gentes que ali encontrara. Referiu a importância da língua como factor de comunicação e deu conta das suas preocupações em face de uma certa subalternização do crioulo, em especial no ensino. A pátria de várias pátrias tem de compreender a importância das línguas subsidiárias, como os crioulos – antecâmara e complemento da língua portuguesa e não factores de empobrecimento. Ruy Cinatti referia, para o caso de Cabo Verde, “a impressão viva, funda, já indistinta de uma maneira de ser nova”. E como entender essa maneira de ser nova senão através do modo que cada comunidade usa para se exprimir e comunicar? As línguas são a expressão viva das referências à identidade e à memória, encaradas como realidades dinâmicas, aptas a representarem as atitudes, os valores, os anseios e os sentimentos das sociedades em mudança. Graças ao apoio do Dr. João Laurentino Neves, conselheiro cultural da nossa Embaixada em Cabo Verde, encontrámo-nos num fim da tarde, com escritores do País irmão. Corsino Fortes, Germano de Almeida, Fátima Bettencourt, Vera Duarte, Mário Fonseca, Dina Salústio, Daniel Pereira, José Vicente Lopes, José M. Varela, Manuel Brito Semedo, Marilene Pereira foram os nossos interlocutores num ameno diálogo sem ordem de trabalhos, mas com preocupações comuns. Com grande sentido de oportunidade, Vera Duarte invocou nesse nosso encontro a “comunidade de afectos”, de que fala António Alçada Baptista, a solidariedade cordial, sem ilusões nem idealismos despropositados, que merece aprofundamento. Vieira falaria de “saudades do futuro”. Fátima Bettencourt prefere citar ainda o autor da “Peregrinação Interior” e refere-nos uma comunidade de homens e mulheres sofridos pela qual perpassa o riso de Deus, Deus nos trópicos, “um Deus apaixonado pela pura alegria de existir”…”. 
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