Reflexões

De 17 a 23 de Novembro de 2003

A revista “O Tempo e o Modo” constituiu, no início dos anos sessenta, o prenúncio claro de que se preparava uma mudança radical na vida portuguesa. Não podemos compreender o que se passou até 1974, e depois, sem perceber o que a geração dos jovens que lançaram e sustentaram a revista foi capaz de pensar e de agir. Basta lermos sumário na capa do primeiro número e folhearmos a revista, para percebermos que há sinais proféticos desconcertantes (perante uma certa “desordem estabelecida”) e o anúncio para o País de um caminho cosmopolita, aberto, europeu, assente na democracia…

A revista “O Tempo e o Modo” constituiu, no início dos anos sessenta, o prenúncio claro de que se preparava uma mudança radical na vida portuguesa. Não podemos compreender o que se passou até 1974, e depois, sem perceber o que a geração dos jovens que lançaram e sustentaram a revista foi capaz de pensar e de agir. Basta lermos sumário na capa do primeiro número e folhearmos a revista, para percebermos que há sinais proféticos desconcertantes (perante uma certa “desordem estabelecida”) e o anúncio para o País de um caminho cosmopolita, aberto, europeu, assente na democracia. António Alçada Baptista no primeiro texto que assinou usa, aliás, uma espécie de eufemismo, que hoje podemos compreender quase como uma previsão: “se numa sociedade não estiver institucionalizado o modo normal, efectivo e legítimo de formulação e execução da vontade do todo, nomeadamente da sua forma de representação, toda a expressão pública é uma simples forma de opinião e não uma representação da vontade comum”. Em vez da referência às instituições democráticas, para iludir os censores, usa a misteriosa expressão “instituições que pressupõem uma certa dialéctica”. Era o tempo de lançar a semente à terra e de esperar com alguma paciência, como diria o Abade de Bernis… “É preciso ter presente – diz António Alçada – que, nesse tempo, a Igreja, o Exército, o funcionalismo público e a burguesia de província (estruturalmente ligada à Igreja), constituíam as forças sociais de apoio da situação saída da Revolução de 28 de Maio de 1926”. Havia a “poderosa força da inércia” e a “frágil força da mudança”, e um grupo de jovens propunha-se pelas ideias romper os vários conformismos, agitar as águas – com uma “revista de pensamento e acção”. Pedro Tamen, um desses jovens, formularia o programa, com palavras que se revelariam de uma eficácia inesperada. “A acção começa na consciência. A consciência, pela acção, insere-se no tempo. Assim, a consciência atenta e virtuosa procurará o modo de influir no tempo. Por isso, se a consciência for atenta e virtuosa, assim será o tempo e o modo.” Quem constituía o grupo de amigos em que se apoiava a “aventura da Moraes”? Eram jovens um pouco mais novos do que Alçada, vindos do “Encontro”, órgão oficial da JUC, e da fundação do CCC, Centro Cultural de Cinema, nos anos 57-58. Vivia-se os efeitos da candidatura de Humberto Delgado, o regime tremera perante a arguta estratégia delineada por António Sérgio, o Bispo do Porto envia uma Carta crítica a Salazar, o Papa recém-eleito, sem nada o fizesse suspeitar, lança um imparável movimento de renovação na Igreja Católica. É com este pano de fundo que surge a revista “O Tempo e o Modo”, cujos 40 anos assinalamos este ano, com a publicação de uma Antologia e a realização de um Colóquio, em associação com a Fundação Calouste Gulbenkian. Interrogaremos, assim, um momento crucial da nossa História Contemporânea.

Guilherme d`Oliveira Martins

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