A Vida dos Livros

A VIDA DOS LIVROS

No seu último livro intitulado “La Voie – Pour l’Avenir de l’Humanité” (Fayard, 2011), Edgar Morin apresenta, de um modo muito clarividente, um conjunto muito rico de propostas para ultrapassar a crise global que vivemos, mas também para compreender as raízes do mal que nos atinge globalmente e que exige respostas corajosas e determinadas. E a verdade é que, se nada for feito, os riscos são tremendos em virtude de uma máquina inigualitária que mina os tecidos sociais e suscita perigosas tensões protecionistas; de um sistema que destrói os recursos raros, que encoraja as políticas de concentração e que corrói o planeta; de uma máquina que inunda o mundo de dinheiro fácil e ilusório e que encoraja a irresponsabilidade bancária; de um “casino” onde se exprimem todos os excessos do capitalismo financeiro; e de uma estranha centrifugadora que pode vir a fazer explodir a Europa».

A VIDA DOS LIVROS
de 9 a 15 de Maio de 2011


No seu último livro intitulado “La Voie – Pour l’Avenir de l’Humanité” (Fayard, 2011), Edgar Morin apresenta, de um modo muito clarividente, um conjunto muito rico de propostas para ultrapassar a crise global que vivemos, mas também para compreender as raízes do mal que nos atinge globalmente e que exige respostas corajosas e determinadas. E a verdade é que, se nada for feito, os riscos são tremendos em virtude de uma máquina inigualitária que mina os tecidos sociais e suscita perigosas tensões protecionistas; de um sistema que destrói os recursos raros, que encoraja as políticas de concentração e que corrói o planeta; de uma máquina que inunda o mundo de dinheiro fácil e ilusório e que encoraja a irresponsabilidade bancária; de um “casino” onde se exprimem todos os excessos do capitalismo financeiro; e de uma estranha centrifugadora que pode vir a fazer explodir a Europa».



RECUSAR A RESIGNAÇÃO
Ernesto Sabato, o grande escritor argentino há pouco falecido, afirmou que «só há um modo de contribuir para a mudança, é a recusa da resignação». Edgar Morin cita esta afirmação, preocupado que está com as fragilidades que estão a destruir os fundamentos de uma humanidade consciente das tarefas fundamentais que tem de assumir num tempo de incerteza e de risco de destruição. Nos tempos em que vivemos, plenos de contradições, em que os erros e as responsabilidades são de todos, apesar da tentação de criar bodes expiatórios, tantas vezes falsos e ilusórios, para que o caminho da autodestruição possa continuar sem grandes sobressaltos, Morin lança um alerta – o de que se impõe impedir que persista o fatalismo segundo o qual nada poderemos fazer para inverter a perigosa situação de que acabamos de tomar consciência, através desta crise financeira que nos abala e que é tudo menos conjuntural ou momentânea. Estão profundamente enganados os que pensam poder voltar à velha mentalidade imediatista e à corrida vertiginosa que confunde economia e ficção. Isso não será mais possível, sob pena de tudo piorar. “No sabemos lo que pasa y eso es lo que que passa” – Ortega y Gasset disse-o, e hoje sentimos que se trata de uma verificação sobre o que nos acontece. Mas Edgar Morin não corre atrás das tentativas de perceber os últimos acontecimentos. Fala-nos, antes, da cegueira de conhecimento que compartimenta os saberes e desintegra os problemas fundamentais e globais, que necessitam de um conhecimento transdisciplinar. Refere-nos que o ocidental-centrismo apoia-se apenas na racionalidade e dá-nos a ilusão de possuir o universal. E assim não é apenas a nossa ignorância, mas também o nosso conhecimento que nos cega.


A CRISE GLOBAL NÃO É ACIDENTE  
A crise planetária com que lidamos mal resulta da inexistência de autênticos dispositivos de regulação. A crise global não se resume a um acidente provocado pela hipertrofia do crédito, a qual não se deve apenas ao problema de uma população, empobrecida pelo encarecimento dos bens e serviços, obrigada a manter o nível de vida pelo endividamento. Morin aponta o dedo à especulação do capitalismo financeiro nos mercados internacionais (do petróleo, dos minerais e dos cereais) e ao facto de o sistema financeiro mundial se ter tornado um barco à deriva, desligado da realidade produtiva. E cita Patrick Artus e Marie-Paule Virard, no seu livro de antes do “crash” do Outono de 2008 intitulado «Globalisation: le pire est à venir» (La Découverte, 2008): «O pior ainda está para vir da conjugação de cinco características maiores da globalização: uma máquina inigualitária que mina os tecidos sociais e atiça as tensões protecionistas; um caldeirão que queima os recursos raros, encoraja as políticas de concentração e acelera o reaquecimento do planeta; uma máquina que inunda o mundo de liquidez e que encoraja a irresponsabilidade bancária; um casino onde se exprimem todos os excessos do capitalismo financeiro; uma centrifugadora que pode fazer explodir a Europa». A crise é multifacetada: é ecológica, pela degradação da biosfera; é demográfica, pela confluência da explosão populacional nos países pobres e da redução nos países ricos, com desenvolvimento de fluxos migratórios gerados pela miséria; é urbana, pelo desenvolvimento de megapolis poluídas e poluentes, com ghettos de ricos ao lado de ghettos de pobres; é da agricultura, pela desertificação rural, concentração urbana e desenvolvimento das monoculturas industrializadas; é ainda crise da política, pela incapacidade de pensar e de afrontar a novidade, perante a crescente complexidade dos problemas; é ainda das religiões pelo recuo da laicidade, pelo emergir de contradições que as impedem de assumir os seus princípios de fraternidade universal. Numa palavra, «o humanismo universalista – afirma ainda Morin – decompõe-se em benefício das identidades nacionais e religiosas, quando ainda não se tornou um humanismo planetário, respeitando o elo indissolúvel entre a unidade e a diversidade humanas».

CRESCIMENTO CONTÍNUO E INTERMINÁVEL?
A ideia fixa do crescimento contínuo e interminável não pode continuar. Basta fazermos simples operações aritméticas, considerando os sete mil milhões de habitantes da terra, para percebermos que sem consciência dos limites apenas poderemos chegar ao desastre global. É preciso conceber uma sábia complementaridade entre crescimento, decrescimento e estabilização, segundo a compreensão da complexidade. O desenvolvimento indiferenciado, seguindo o modelo ocidental produtivista, está votado ao fracasso, uma vez que desconsidera a diversidade e a complexidade, não compreendendo os limites. A hiperespecialização, o hiperindividualismo e a perda das solidariedades conduzem à incapacidade de corresponder às mais elementares exigências da justiça. E Morin afirma mesmo que não basta contentarmo-nos com o “durável” ou o “sustentável” de reminiscências ecológicas – é preciso ir mais fundo. As crises misturam-se, do conhecimento, da política, da economia, da sociedade, e levam-nos aos bloqueamentos da globalização, da ocidentalização e do desenvolvimento. Para Edgar Morin, assim, «a gigantesca crise planetária é a crise da humanidade que não consegue aceder à humanidade». Duas barbáries coexistem e agem sem contemplações: a que vem da noite dos tempos e usa a violência; e a barbárie moderna e fria da hegemonia do quantitativo, da técnica e do lucro. Ambas levam-nos ao abismo. Contudo, importa entender o que Hölderlin nos ensinou: «onde cresce o perigo, cresce também o que salva». A globalização pode trazer-nos factores positivos sobre o que pode unir a humanidade no sentido da paz. A consciência de uma Terra-Pátria é ainda marginal e disseminada. A globalização tecno-económica prevalece e contraria a emergência da sociedade-mundo que pode estar a ser lançada. A mundialização envolve, deste modo, o melhor e o pior, a emergência de um mundo novo e a autodestruição da humanidade.

A IDEIA FECUNDA DE METAMORFOSE
Edgar Morin propõe a ideia de metamorfose, improvável mas possível, como alternativa à desintegração provável. A natureza está cheia de exemplos de metamorfoses – a lagarta encerra-se na crisálida, num processo de auto-reconstrução. A noção de metamorfose é, deste modo, mais rica que a de revolução, uma vez que preserva a radicalidade transformadora, ligando-a à conservação da vida e à herança das culturas. Sendo impossível travar a tendência que conduz aos desastres, devemos pensar que as grandes transformações começam com uma inovação, uma nova mensagem marginal, modesta, tantas vezes invisível… Será preciso, no fundo, ao mesmo tempo, mundializar e desmundializar, crescer e decrescer, desenvolver e envolver, conservar e transformar. As reformas políticas, económicas, educativas ou da vida só por si estarão votadas à insuficiência e ao fracasso.   


Guilherme d’Oliveira Martins


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