A Vida dos Livros

UM LIVRO POR SEMANA

Tzvetan Todorov escreveu em 2003 “Le Nouveau Désordre mondial – Réflexions d’un Européen » (Robert Laffont) onde nos apresenta um conjunto de temas da maior pertinência sobre os valores e os desafios contemporâneos para os europeus. Todorov (1939) é um filósofo e linguista búlgaro que, tendo feito a sua carreira académica em França, tem-se preocupado em pôr na ordem do dia um pensamento aprofundado sobre a “nova Europa”, depois do fim da guerra fria, da chegada à democracia das novas nações outrora na esfera do império soviético e dos recentes acontecimentos no Médio Oriente.

UM LIVRO POR SEMANA
De 23 a 29 de Abril de 2007.



Tzvetan Todorov escreveu em 2003 “Le Nouveau Désordre mondial – Réflexions d’un Européen” (Robert Laffont) onde nos apresenta um conjunto de temas da maior pertinência sobre os valores e os desafios contemporâneos para os europeus. Todorov (1939) é um filósofo e linguista búlgaro que, tendo feito a sua carreira académica em França, tem-se preocupado em pôr na ordem do dia um pensamento aprofundado sobre a “nova Europa”, depois do fim da guerra fria, da chegada à democracia das novas nações outrora na esfera do império soviético e dos recentes acontecimentos no Médio Oriente. Não é sustentável continuar a pensar como antes de 1989 nem conceber uma nova organização europeia apenas a partir dos quadros herdados do pós-guerra. “Os países europeus são todos herdeiros duma civilização que se estabeleceu no continente há mais de vinte e cinco séculos, na Grécia, depois em Roma. Todos foram marcados pela religião cristã, que se afirmou em continuidade e em oposição com o judaísmo e o Islão. Aproveitaram um desenvolvimento tecnológico comum, lançado na Renascença, e alguns deles lançaram-se, desde o século XVI, nas conquistas coloniais nos quatro cantos do mundo – antes de ver, alguns séculos mais tarde, os antigos colonizados vir viver entre eles nas antigas metrópoles”. Há, assim, uma velha Europa donde partimos, feita da guerra entre os diferentes países europeus, uns com os outros. Não podemos esquecer as hecatombes do século XX. Daí que os valores comuns devam ser pensados em conjunto, com consciência da memória vivida e como autêntica encruzilhada de diferenças. Racionalidade, justiça, democracia, liberdade individual, laicidade, tolerância tem de ser levadas à prática a sério. Saibamos opor a racionalidade ao obscurantismo, à superstição, ao pensamento mágico, à manipulação. Tornemo-nos razoáveis, não deixemos a ciência e a técnica entregues a si mesmas, como se não tivessem limites. Há que cultivar um equilíbrio em que racionalidade não esqueça a vontade, os desejos e os ideais. A justiça opõe-se ao egoísmo e à procura de privilégios e vantagens, ligados ao poder e à força. Por isso, a economia deve subordinar-se à política, em nome, quanto mais não seja, da protecção dos mais débeis, sem uma distribuição mecânica das riquezas, mas através de uma solidariedade institucionalizada. A democracia é, por isso, não um Estado “natural”, mas um Estado “contratual”. E esse carácter obriga a pôr a tónica na liberdade individual, envolvendo a crença, a opinião, o modo de organizar a vida privada e a recusa do uso ilegítimo da força. Quanto à laicidade, não pode haver confusão entre ideologia e Estado, banindo-se qualquer tentativa de criar um paraíso na terra ou de aceitação da degradação do presente em nome de um amanhã radioso. Quanto à tolerância temos de entender que este conceito parte da distinção entre as várias tolerâncias e o que nada tem a ver com estas. O que é intolerável num Estado é punido por lei, condenamos, deste modo, a violência posta ao serviço da intolerância. Como afirmou Jurgen Habermas “o reconhecimento das diferenças; o reconhecimento mútuo do outro na sua alteridade, pode também ser uma marca duma identidade comum”. Ora, se a Europa se limitar a ser uma “comodidade”, ela não poderá suscitar paixões. Por isso, mais do que uma comodidade deve ser uma ideia. Para tanto, deverá haver um esforço sério de adaptação das instituições e da organização da União, proclamando uma “identidade de espírito” e não apenas interesses económicos. Tudo isto, exige, porém, o elogio do pluralismo, o primado do direito, o equilíbrio entre eficiência e equidade, a criação duma potência civil e tranquila, a criação de três círculos concêntricos representado um grau diferente (mas complementar) de empenhamento no projecto comum (desde um núcleo duro a um grupo alargado com interesses complementares), o equilíbrio entre várias potências ou a compreensão das legitimidades dos Estados e dos cidadãos. Como afirma Stanley Hoffman no prefácio, Tzvetan Todorov, “homem da Renascença (ou das Luzes)”, explica-nos o que deveria ser a política exterior de uma democracia liberal nos dias de hoje, “pondo-nos de sobreaviso contra as tentações de ser uma potência total ou do recurso privilegiado à força”. Com uma linguagem de Montesquieu ou de Tocqueville, Todorov luta, deste modo, pelo pluralismo contra o messianismo e ainda contra as armadilhas da exportação da democracia. Por isso, segue a tradição de Camus, “para quem os meios empregues são tão importantes como os fins determinados”…
                                                                      Guilherme d’Oliveira Martins

Subscreva a nossa newsletter