A Vida dos Livros

UM LIVRO POR SEMANA

“Pela Mão de Alice – O Social e o Político na Pós-Modernidade” de Boaventura de Sousa Santos (Edições Afrontamento, 1994) é uma obra que merece atenção por representar uma tentativa de leitura da realidade sociológica contemporânea, com destaque para a transição entre o que o autor designa como perspectivas moderna e pós-moderna. Estamos perante uma análise da realidade portuguesa como “sociedade semiperiférica”, cujas especificidade e complexidade, das “condições económicas, sociais, políticas e culturais”, conduz a uma dupla exigência de acção.

                                                                         UM LIVRO POR SEMANA
                                                                  De 5 a 11 de Fevereiro de 2007.
Pela Mão de Alice – O Social e o Político na Pós-Modernidade” de Boaventura de Sousa Santos (Edições Afrontamento, 1994) é uma obra que merece atenção por representar uma tentativa de leitura da realidade sociológica contemporânea, com destaque para a transição entre o que o autor designa como perspectivas moderna e pós-moderna. Estamos perante uma análise da realidade portuguesa como “sociedade semiperiférica”, cujas especificidade e complexidade, das “condições económicas, sociais, políticas e culturais”, conduz a uma dupla exigência de acção. Por um lado, “deve proceder como se o projecto da modernidade não estivesse ainda cumprido ou não tivesse sequer sido posto em causa”. Mas, por outro, deve partir do princípio de que o projecto da modernidade está historicamente cumprido “e que não há a esperar dele o que só um novo paradigma pode tornar possível”. Haverá, deste modo, promessas da modernidade a cumprir, como a da distribuição e a da atenuação das desigualdades, bem como a da democratização política, visando o reforço da participação e o combate dos oligarquismos. No entanto, há ainda que prosseguir os compromissos pós-modernos: a “promessa” de distribuição deve ser cumprida com a “promessa da qualidade das formas de vida” (ecologia, ambiente, igualdade de género) e a democratização deve abranger “a democratização radical da vida pessoal e colectiva”, com alargamento dos campos de emancipação e articulação entre a democracia representativa e a democracia participativa. Acresce que o sociólogo propõe a reinvenção de “mini-racionalidades da vida de modo a que elas deixem de ser partes de um todo e passem a ser totalidades presentes em múltiplas partes”. É o que designa como “pós-modernidade de resistência”. Perante a criação de novos e perigosos “adamastores” (“porque a racionalidade moderna se aperfeiçoou, especializando-se, foi deixando criar nos interstícios da parcelização uma irracionalidade global”), BSS propõe a acção local das mini-racionalidades pós-modernas. “Quanto mais global for o problema, mais locais e mais multiplamente locais devem ser as soluções”. Assim devem entender-se as “onze teses por ocasião de mais uma descoberta de Portugal”: (i) somos um país pouco conhecido; (ii) o excesso mítico de interpretação é o mecanismo de compensação do défice de realidade, típico de elites culturais restritas e fechadas; (iii) a pátria não está doente, nem precisa de cura psiquiátrica; (iv) Portugal é um país único e diferente; (v) é uma sociedade de desenvolvimento intermédio; (vi) os portugueses são cada vez mais o produto de uma negociação de sentido de âmbito transnacional; (vii) a posição intermédia de Portugal deverá consolidar-se em novas bases; (viii) a heterogeneidade social leva à coexistência de modos diversos de organização e regulação, típicos da modernidade e da pós-modernidade; (ix) o Estado tem desempenhado um papel privilegiado na regulação social com ineficiência e distância entre representantes e representados; (x) a sociedade civil parece fraca porque não se organiza segundo os modelos hegemónicos de outros países europeus, mas constitui uma sociedade providência que tem colmatado, pelo menos parcialmente, as deficiências da providência estatal; (xi) Portugal não tem destino – tem passado, presente e futuro. Sousa Santos demarca-se, assim, da ideia de que Portugal tem “uma razão teológica que ainda não cumpriu ou que só cumpriu no período áureo dos descobrimentos e que o défice de cumprimento só pode ser superado por um reencontro do país consigo mesmo, a solo ou no contexto da Espanha das Espanhas ou no contexto da Europa ou, ainda no contexto do Atlântico” (p.64). No fundo, “Portugal não pode estar constantemente na posição de ter de prestar contas perante os seus intelectuais ainda por cima sabendo que nunca as prestará a contento” (p. 65). Daí a recusa de triunfalismo e miserabilismo, e a necessidade de analisar riscos e oportunidades próprios, num sistema de “interacções transnacionais”, pelo que o futuro de Portugal não poderá ser reduzido ao futuro dos outros…

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