A Vida dos Livros

UM LIVRO POR SEMANA

Neste Natal invoco um amigo que partiu, deixando toda a sua força e entusiasmo. Falo de Sidónio de Freitas Branco Paes (1925-2006), e dedico-lhe o livro desta semana, certo de que ele gostaria desta escolha, que era uma das suas – “Abel Varzim, Entre o Ideal e o Possível – Antologia de Textos – 1928 – 1964” (Multinova – Fórum Abel Varzim, 2000). O Padre Varzim era uma das referências de Sidónio Paes, cidadão comprometido e atento, para quem a ciência, a cultura, a engenharia, a música, a criação artística e o amor cristão estavam sempre intimamente ligados.

UM LIVRO POR SEMANA
De 25 a 31 de Dezembro de 2006


Neste Natal invoco um amigo que partiu, deixando toda a sua força e entusiasmo. Falo de Sidónio de Freitas Branco Paes (1925-2006), e dedico-lhe o livro desta semana, certo de que ele gostaria desta escolha, que era uma das suas – “Abel Varzim, Entre o Ideal e o Possível – Antologia de Textos – 1928 – 1964” (Multinova – Fórum Abel Varzim, 2000). O Padre Varzim era uma das referências de Sidónio Paes, cidadão comprometido e atento, para quem a ciência, a cultura, a engenharia, a música, a criação artística e o amor cristão estavam sempre intimamente ligados. Soube, assim, como poucos, seguir as palavras e o testemunho do mestre: “ser pequeno, tornar-se pequeno quando se é grande, é palavra dura de ouvir. Mas é este o segredo dos grandes homens, porque é o segredo do triunfo. Quem é grande e se faz pequeno vê nos seus irmãos seus senhores. A eles consagra por isso o seu trabalho, por eles sacrifica o seu descanso, e até lhes dá a própria vida. Há nele qualquer coisa de divino que o eleva acima dos outros homens” (1943). Abel Varzim (1902-1964) foi uma das vozes mais persistentemente inconformistas do seu tempo na luta pela dignidade humana. Nasceu em Cristelo (Barcelos), cursou teologia em Braga e ciências político-sociais em Louvaina, onde elaborou uma tese importante sobre o cooperativismo agrícola belga (“Le Boerenbond”), dirigiu o jornal “O Trabalhador”, um alvo privilegiado da censura política (1934-1948), foi assistente eclesiástico da Liga Operária Católica (LOC), deputado à Assembleia Nacional (1938-42), participou nos primórdios do Instituto de Serviço Social e criou o Centro de Estudos e Acção Social com alunos do Instituto Superior Técnico, no sentido da ligação da teoria à prática (que terá resultados significativos, em especial na Quinta da Curraleira). Sobretudo depois de 1946, sentiu que era um alvo a abater. “O Trabalhador” foi obrigado a calar-se, o padre foi afastado das funções de “assistente eclesiástico” e levado a abandonar as funções no Instituto do Serviço Social. Em 1951 escolheu ser pároco de uma pequena freguesia pobre do centro de Lisboa – a Encarnação. Aí tornou-se apóstolo junto das prostitutas (usando o método ver, julgar e agir), do combate contra esse flagelo social e pela recuperação das suas vítimas, perante todas as incompreensões. Dirá, aliás: “os meus maiores sofrimentos não vieram da Acção Católica. A Obra das Raparigas, essa sim, essa é que me fez beber o cálice da amargura”. Em 1957 renunciou à paróquia e regressou à terra natal. Viverá a partir de então ligado aos seus conterrâneos, procurando caminhos associativos para uma maior justiça no trabalho e na terra. Mas a semente que lançara ficou. Os seus textos fortes ainda hoje ecoam, não nos deixando indiferentes: “o cristianismo foi ensinado por Cristo e não por esses fariseus que andam por aí a agarrar-se ao cristianismo na estulta ideia de salvarem as burras e o comodismo da vida que têm levado e querem continuar a levar (…). Miseráveis exploradores do sangue alheio, se eles só sabem ter o coração empedernido, se só sabem exercer a violência e a usura, se só pretendem enriquecer à custa do suor alheio, onde está o seu cristianismo? Onde está a sua fé, onde estão seu amor de Deus?” (1938). Como disse D. José da Cruz Policarpo, Cardeal Patriarca de Lisboa, o Padre Varzim não se deixou “intimidar pelo poder estabelecido, fazendo afirmação da liberdade como prova máxima de dignidade”e não se deixou “resignar às situações de facto, por mais duras” que fossem, “sabendo discernir nas circunstâncias sinais da esperança de um tempo novo”. Por isso, no seu pensamento e na sua acção, sentimos a força da Boa Nova vivida, a antecipação do espírito de abertura do Concílio e um forte apelo à inteligência e à cultura, à justiça e à paz. O ideal e o possível encontram-se. E hoje ao associarmos a memória de Abel Varzim à de Sidónio Paes fazemo-lo em nome de uma grande Esperança… 


Guilherme d’Oliveira Martins

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