A Vida dos Livros

UM LIVRO POR SEMANA

A “Carta Aberta aos Europeus” de Denis de Rougemont é uma obra que há muito desapareceu das livrarias. Foi escrita em 1970 (Albin Michel) e merece ser relida num momento em que a memória e a história europeias têm de voltar a ser chamadas à ribalta – como este fim de semana recordou Guy Coq nos Encontros Internacionais de Sintra (da SEDES), que debateram o tema “Que Europeus para Qual Europa?”.

UM LIVRO POR SEMANA
De 20 a 26 de Novembro de 2006


A “Carta Aberta aos Europeus” de Denis de Rougemont é uma obra que há muito desapareceu das livrarias. Foi escrita em 1970 (Albin Michel) e merece ser relida num momento em que a memória e a história europeias têm de voltar a ser chamadas à ribalta – como este fim de semana recordou Guy Coq nos Encontros Internacionais de Sintra (da SEDES), que debateram o tema “Que Europeus para Qual Europa?”. Rougemont (1906-1985) foi um escritor e um pensador suíço que combateu pacificamente durante toda a vida por um ideal europeu de paz e de desenvolvimento, de democracia e de diversidade cultural. Foi ainda um dos protagonistas do Congresso Europeu de 1948 na Haia e deixou uma obra de reflexão que merece ser lida. Muitos desconfiam da sua utopia, mas a verdade é que, no essencial, ela mantém-se actual, como projecto de paz e de justiça. Como disse um dia: “a ideia de união em geral, a dessacralização das fronteiras, a consciência de uma comunidade de destino continental progrediram nos espíritos (dos jovens, principalmente); isto parece-me indesmentível, embora seja muito difícil medi-lo e bastante fácil negá-lo, cinicamente, já que não se consulta o sufrágio universal, única opinião decisiva – único facto insofismável depois das atoardas que se publicam impunemente”. Hoje, porém, deparamos com novas dificuldades e incompreensões. Houve avanços significativos, quando a economia deu sinais favoráveis, mas multiplicam-se os sinais contraditórios, as resistências e os impasses. Os egoísmos e os medos nacionais prevalecem e falta equilíbrio entre o que Mário Telò designou como idealismo e realismo. E que nos ensina Rougemont? A compreender que só haverá realismo com ideais e a partir do respeito do valor absoluto e universal da pessoa humana. Por muito que o Estado-nação deva ser respeitado e considerado, a verdade é que não é o princípio e o fim da História. Temos de entender a relação complexa entre a História e a Geografia, de que falou Michel Foucher. A legitimidade moderna já não se refere apenas ao Estado, reporta-se também, e cada vez mais, aos povos e aos cidadãos. Outra perspectiva arrisca-se a deixar-nos indefesos perante os novos desafios. O fechamento gera a incompreensão e o primado do ressentimento. “Não será o Europeu esse homem estranho que se manifesta como Europeu na medida exacta em que duvida que o seja e pretende, ao contrário, identificar-se quer com o homem universal, quer com o homem de uma só nação do grande complexo continental do qual se revela assim parte integrante, apenas porque o contesta?”. Há múltiplos caminhos que nos podem conduzir a uma “unidade diversa”, a uma “convergência múltipla”. E temos de entender qual a consequência de “a civilização europeia” ser “a única que se tornou verdadeiramente universal”. Por outro lado, temos de ter presente a necessária conciliação entre a soberania dos Estados e a soberania dos cidadãos – ou seja temos de escolher entre o poder colectivo e a liberdade, entre um conceito transpersonalista e um pensamento assente nas pessoas. Rougemont falava de “método do federalismo”, mas, para ele, federalismo seria o contrário de qualquer centralização burocrática, hoje falamos de “método comunitário”. “Europeias e Europeus, sereis vós quem fará a Europa e mais ninguém, com a única condição de que o queirais verdadeiramente”. Eis por que razão a responsabilidade, a participação e a liberdade têm de se completar, nas regiões onde existam ou nas nações perfeitas (como Portugal, no dizer do próprio Rougemont). Importa, afinal, passar da Europa dos mitos à Europa das realidades e das pessoas. Urge ultrapassar o absolutismo do “Estado-nação”, cultivar a subsidiariedade, defender em comum o que é comum nos níveis adequados… A Europa de que Rougemont falava não seria “necessariamente a mais poderosa ou a mais rica”; seria, sim, “esse canto do planeta indispensável ao mundo de amanhã, onde os homens de todas as raças poderão encontrar não talvez mais felicidade, mas mais sabor, mais sentido de vida”… 


Guilherme d’Oliveira Martins

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