A Vida dos Livros

UM LIVRO POR SEMANA

“Literatura Portuguesa do Século XX”, sob a coordenação de Fernando J.B. Martinho (Instituto Camões, 2004), é um precioso instrumento de trabalho ao alcance de todos, que permite um conhecimento introdutório sobre a criação literária no último século. Fernando Martinho (sobre a poesia), Fernando Pinto do Amaral (narrativa), Maria Helena Serôdio (dramaturgia) e Serafina Martins (ensaio literário) dão-nos uma panorâmica completa, clara e compreensiva.

UM LIVRO POR SEMANA
De 14 a 20 de Agosto de 2006


Literatura Portuguesa do Século XX”, sob a coordenação de Fernando J.B. Martinho (Instituto Camões, 2004), é um precioso instrumento de trabalho ao alcance de todos, que permite um conhecimento introdutório sobre a criação literária no último século. Fernando Martinho (sobre a poesia), Fernando Pinto do Amaral (narrativa), Maria Helena Serôdio (dramaturgia) e Serafina Martins (ensaio literário) dão-nos uma panorâmica completa, clara e compreensiva. Numa tarefa difícil, os autores abordam com competência um dos “períodos de maior riqueza” numa literatura que, sendo “das mais antigas da Europa”, nem sempre teve facilidade em se abrir e se afirmar além fronteiras. As dificuldades aguçaram “a exigência e a consciência vigilante”. Se se escreveu pouco para a gaveta durante a ditadura, a verdade é que houve uma curiosíssima tensão entre a metáfora inteligente (de Augusto Abelaira), a resistência impenitente (de Miguel Torga) e a incontida indignação (de Jorge de Sena), em contraponto, depois de 1974, com uma criatividade multifacetada (que culminou na atribuição do prémio Nobel a José Saramago). Na poesia, o “Orpheu”, a “Presença”, o neo-realismo e o surrealismo são o que Eduardo Lourenço designou como as “quatro grandes manifestações” que “hoje fazem parte da nossa memória cultural do século passado”. Isto, antes da modernidade se despedir “de si mesma”, nomeadamente com Herberto Hélder e Ruy Belo – abrindo um arco muito amplo que assenta no “respeito pela radical singularidade das escritas”, desde Sophia e Eugénio, aparecidos nos anos quarenta, até aos poetas das novas gerações. A celebração póstuma de Fernando Pessoa e dos seus heterónimos, com forte projecção internacional, demonstra como Portugal se pôde tornar lugar-símbolo de uma modernidade anunciadora de caminhos múltiplos. Pluralismo e heterogeneidade (como salientou Luís Miguel Nava) são as marcas do século. Na prosa, é de “sublinhar a vitalidade actual: na multiplicidade das suas vozes”, pela necessidade de “exprimir os desafios, as seduções ou os problemas de uma sociedade que mudou muito nas últimas décadas”. Há muitas diferenças desde Raul Brandão de “Húmus”, Teixeira Gomes de “Maria Adelaide”, Mário de Sá-Carneiro de “A Confissão de Lúcio”, Almada Negreiros de “Nome de Guerra”, Aquilino Ribeiro de “Casa Grande de Romarigães”, Rodrigues Miguéis de “Páscoa Feliz”. Mas sente-se ainda a vitalidade de Vergílio Ferreira, Agustina Bessa-Luís, Jorge de Sena, Isabel da Nóbrega, Carlos de Oliveira, José Cardoso Pires, David Mourão-Ferreira, José Saramago, António Lobo Antunes, Lídia Jorge… Na dramaturgia continua de pé o reparo de Luciana Steggano Picchio: a deficiência de um repertório português deve-se, em parte, à “tendência para decompor a realidade pelos prismas da história e da lenda”, com persistente nostalgia de um passado heróico. Luís Sttau Monteiro, Bernardo Santareno, Jorge Silva Melo, a título de exemplo, abriram, porém, novos horizontes – apesar de a afirmação de António J. Saraiva continuar a dar muito que pensar – “o teatro português é um descampado”… Já o ensaísmo revela uma vida multímoda, com inegável e renovado interesse desde “A Águia” (com Pessoa e Pascoaes) ou Joaquim de Carvalho, até António Sérgio (“o maior crítico português da primeira metade do século”, segundo Sena), à “Presença” (Régio, Casais Monteiro, Nemésio), a António José Saraiva e Óscar Lopes, Jorge de Sena, Jacinto do Prado Coelho e Eduardo Lourenço. Como diz o organizador, trata-se de uma “época de grandes tensões e transformações”, em que o “ímpeto criador” não foi vergado ou anulado perante o desrespeito pelas liberdades públicas. E “o regresso à democracia, com a libertação de todo o tipo de peias censórias e tabus”, permitiu “um notável florescimento literário do último quartel do século”…


Guilherme d’Oliveira Martins

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